A ESTÁTUA EM HONRA DE CABRILHO DESAPARECEU DE MONTALEGRE!

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Dr. João Soares Tavares

Em defesa da História 

                       A ESTÁTUA EM HONRA DE CABRILHO DESAPARECEU DE MONTALEGRE!

João Soares Tavares

Hoje ao retirar um livro de uma estante verifiquei que junto estava uma série de folhetos turísticos sobre cidades e vilas transmontanas. Como foram ali parar? De onde provieram? Depois de muito magicar lembrei-me que tempo atrás apresentei uma palestra sobre História na Casa Regional de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa por amável convite da sua direcção. Nesse dia, ofereceram-me alguns folhetos sobre vilas e cidades daquela região nortenha, que se encontravam naquela Casa para oferta. Normalmente são folhetos disponibilizados nos postos de informação turística das localidades a fim de orientarem o visitante na descoberta dos lugares de maior interesse. Ajudarão a planificar futuro passeio – pensei. Guardei-os em minha casa tão bem guardados que lhes perdi o norte… até hoje.

Um folheto com o título sugestivo escrito na capa, “Montalegre… uma ideia da Natureza!”, despertou a minha atenção. (Ver fig 1.)

Fig. 1 – Folheto distribuido a turistas, produzido pela Câmara Municipal de Montalegre.

É uma produção da Câmara Municipal. Tem tudo sobre o concelho … ou quase, digo eu. “Contactos úteis, alojamentos, restaurantes, feiras, festas, animação cultural, gastronomia, aspectos culturais e etnográficos, património histórico e arquitectónico, património religioso, desporto – lazer, ambiente e natureza” com lugares de interesse paisagístico e lugares de valor ecológico localizados na sede do concelho e nas freguesias. Bom trabalho publicitário. Noventa e dois registos assinalados, alguns com fotografias elucidativas. Sublinho: 92. Não será demais salientar o valor do património natural e construído do concelho de Montalegre. A região tem motivos para ser conhecida e apreciada.

Conheço relativamente bem a terra barrosã. Lá passei longos períodos desde os anos setenta do século passado em trabalho de investigação e estudo. Um tempo vivido em harmonia com a natureza ou convivendo com montanheses partilhando comigo o seu saber secular provindo de pais, de avós… Foi, portanto, com manifesta curiosidade que no referido folheto “Montalegre…uma ideia da Natureza!”, decidi recordar o que já conhecia e verificar se havia ainda algo para visitar nas diferentes freguesias do concelho.

Comecei a pesquisar os motivos de interesse da vila. O folheto cita o castelo, a casa do cerrado, mamoas da veiga, igreja do castelo, o carvalho da forca, fojo do lobo do Avelar, miradouro da corujeira, mata do Avelar, o dia das bruxas, o dia do município, a feira do fumeiro, a pista de automóveis. Mas… nenhuma referência ao monumento em memória de João Rodrigues Cabrilho! Nem uma nota informativa sobre os feitos praticados pelo ilustre barrosão a fim do visitante saber quem foi e o que fez esse valoroso filho da terra! Tive um sobressalto: raptaram a estátua que na minha última visita a Montalegre ainda se erguia na Praça do Município? Volatilizaram o monumento com algumas toneladas, evocativo desse célebre navegador barrosão do século XVI, descobridor da Costa da Califórnia e primeiro autor publicado na América? O caso não é para rir. Recordo aos meus estimados leitores uma ocorrência verificada nos Estados Unidos da América: o rapto da outra estátua em honra de João Rodrigues Cabrilho, que após aportar na Califórnia proveniente de Portugal desapareceu. Um caso verídico que deu brado. Somente depois de uma pesquisa apurada conseguiram descobri-la sendo finalmente edificada na cidade californiana de San Diego. Quem tiver curiosidade poderá ler a narração completa do rapto em um dos meus livros que encontrará nomeadamente na Biblioteca Municipal de Montalegre e no Ecomuseu de Barroso. (1)

Fig. 2 – Estátua de Cabrilho no largo central junto à CM de Montalegre

Surpreendido, reli as informações do folheto. Não me enganei. Nenhuma referência ao monumento, nem uma nota sobre o navegador. Tive um mau pressentimento: os espanhóis raptaram a estátua. Eles nunca se convenceram da naturalidade portuguesa do navegador vinculada por Antonio de Herrera historiador do século XVI (século em que Cabrilho viveu), cronista-mor de Indias, ao escrever explicitamente que o vice-rei do México: “mamdô percebir dos navios y nombró por Capitan dellos a Juan Rodriguez Cabrillo Portugues, persona muy plática en las cosas de la mar”(Fig. 2). De tempos a tempos fazem uma nova tentativa semelhante a esta mais recente, opinando a naturalidade de Cabrilho numa qualquer terra espanhola levando alguns ingénuos na onda. Será que desta vez conseguiram?

Incrédulo, resolvi telefonar a um amigo montalegrense e questionei-o:

– Onde está a estátua em honra de Cabrilho?

Após um silêncio, respondeu-me:

– Não estou a perceber!

Insisti:

– Onde está a estátua que se erguia na Praça do Município de Montalegre?

Está no mesmo sítio – respondeu.

Respirei aliviado. Deduzi que a não referência no folheto ao monumento evocativo do mais ilustre filho da terra somente poderia ser por esquecimento. Que outra razão haveria?

Alguns anos atrás não subsistia certeza sobre a nacionalidade portuguesa nem a naturalidade de Cabrilho em Lapela de Cabril. Foi um tempo em que a única base de apoio não ia além da tradição oral da aldeia. Passaram anos. Depois de morosa pesquisa nos territórios palmilhados pelo navegador, e das provas alicerçadas em documentos históricos que divulguei nomeadamente nos quatro livros que escrevi, depois dos autarcas de Castro Daire perante as evidências factuais perderem há muito a esperança de verem Cabrilho filho daquela terra, depois da RTP em programa sobre os “13 maiores aventureiros portugueses” apresentado em Maio de 2016 expor ao Mundo sem hesitações a naturalidade barrosã do navegador, quando na Internet em sites inquestionáveis está registada a naturalidade de Cabrilho em Lapela, freguesia de Cabril, concelho de Montalegre, somente algum visionário poderá desviar o nascimento do descobridor da Costa da Califórnia para uma terra diferente daquela. Aliás, João Rodrigues Cabrilho deverá ser motivo de orgulho para todo o barrosão que se preza.

 

Esperançado que o Sr. Presidente da Câmara leia esta crónica, ou que alguém o informe, apresento-lhe uma sugestão: na próxima reimpressão do folheto cultural/turístico de Montalegre, mande assinalar a localização da estátua evocativa de Cabrilho com uma nota explicativa sobre o competente navegador, para o visitante levar consigo uma lembrança histórica da vila além de uma lembrança gastronómica: a saborosa posta barrosã ou o tradicional cozido barrosão.

Seria um gesto digno da sua parte se também mandasse colocar junto do monumento uma placa contendo uma sinopse histórica dos feitos de João Rodrigues Cabrilho para conhecimento geral, à semelhança do que se observa em tantos monumentos deste país. O turista de visita a Montalegre agradece-lhe. A Câmara pouco despenderá e, o Senhor, um interessado pela História segundo me confirmou, será reconhecido pelos conterrâneos que prezam a história da sua terra. O Natal é uma fonte de sonhos para quem os pode ter e, porque a época natalícia já se aproxima, esse seu bonito gesto seria uma prenda para o tão ignorado Cabrilho.

Se eventualmente já rectificaram o panfleto “Montalegre… uma ideia da Natureza!” e as informações sobre Cabrilho já permanecem assinaladas, felicito-o, pois conseguiu antecipar-se a esta minha proposta.

NOTAS:

  1. Tavares, João Soares – “João Rodrigues Cabrilho Um Homem do Barroso?”, edição da C. M, M., 1998
  2. Herrera, Antonio – Historia General de los hechos de los Castellanos en las Islas y Tierra Firme del Mar Oceano, Madrid, 1601-1615, Archivo General de las Indias, Sevilha

(João Soares Tavares escreve de acordo com a anterior ortografia)

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