A VERDADEIRA NACIONALIDADE DE JOÃO RODRIGUES CABRILHO

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Dr. João Soares Tavares

                                (Análise crítica do livro espanhol de Wendy Kramer)

João Soares Tavares*

Fig. 1  – Fotografia histórica na inauguração em San Diego da estátua oferecida por Portugal, em homenagem ao descobridor da Costa da Califórnia. (Reproduzida do livro: “João Rodrigues Cabrilho Um Homem do Barroso?”, CMM,  Tavares, João Soares .

Quando se completam 481 anos sobre a morte de Cabrilho,  –  o  navegador português  faleceu no dia 3 de Janeiro de 1543 durante a viagem de descobrimento da Costa da Califórnia, certamente o seu legado mais conhecido (Fig. 1) –, parece-me oportuno clarificar definitivamente qual é a sua verdadeira   nacionalidade,  que ultimamente tem dividido muitos portugueses e é motivo de polémica, porque o livro espanhol, “El Español que exploró California: Juan Rodríguez Cabrillo, De Palma del Rio a Guatemala”, de Wendy Kramer,  desviou  a nacionalidade de Cabrilho para Espanha.

A fim de se obter uma conclusão imparcial vou analisar algumas passagens  desse livro.

Na minha já longa pesquisa  que me propiciou escrever a biografia de Cabrilho, recolhi  provas que me permitiram concluir ser  português por nascimento (1). Porém, Wendy Kramer  admite o nascimento de Cabrilho em Palma del Rio.  A autora  duvida  de Antonio de Herrera (1549-1625), Coronista mayor de su Magestad de las Indias y su Coronista de Castilla, que creditou a nacionalidade portuguesa de João Rodrigues Cabrilho  na  sua crónica do séc. XVII: “ Historia General de los Hechos de los castellanos en las Indias y Tierra firme del mar Oceano, Decada VII,   Capitulo III, Del viage,  Que hizieron  dos nauios, que embio don Antonio de Mendoça a descubrir la costa de la mar del Sur, desde nueua España, …y nombrô por Capitan dellos a Juan Rodriguez Cabrillo, portugues, persona muy platica en las cosas de la mar…” (2).

Kramer justifica: “La fuente em que se basava Herrera no se há determinado y desde entonces su designación de Cabrillo, como portugués no se há verificado. Por ejemplo el diplomático e historiador costarricense Manuel Maria de Peralta (1847-1930) no corrobora la afirmación de Herrera sobre la ciudania de Cabrillo y, em um libro de documentos (…) que él editó y publicó em 1883, se refiró de la siguinte manera. ‘Antes que (Francis) Drake, sólo un insigne marino español, Juan Rodriguez Cabrillo, se habia aventurado por tan altas latitudes en las costas ocidentales de América…’.” (Pág. 35 e 36)

 

Fig. 2 – Retrato de de Herrera. (Reproduzido do livro: “João Rodrigues Cabrilho Um Homem do Barroso?”, CMM,  Tavares, João Soares)

Esclareço: embora sendo um reconhecido cronista, Antonio de Herrera foi acusado de  “parcialidad y de haber exagerado los hechos gloriosos de España, ocultando, ó por lo menos atenuando, los adversos”. Em caso de dúvida, teria escrito como é óbvio, ser Cabrilho espanhol. Quero realçar:  Herrera foi quase contemporâneo de Cabrilho. (Fig. 2) Nasceu 6 anos após o falecimento do navegador. Na qualidade de Coronista mayor de su Magestad de las Indias y su Coronista de Castilla  tinha acesso a diversa documentação, portanto, a muitas fontes para escrever as suas crónicas. A autora duvida da fonte de Herrera e prefere dar crédito a uma opinião (apenas a uma opinião), de finais do século XIX,  do costa-riquenho Manuel Peralta. Talvez desconheça o conceituado historiador Francisco Javier Clavijero (1731-1787) nascido no México, com uma obra notável, ocupando um lugar de relevo na historiografia mexicana, que, um século após  Herrera, certifica a nacionalidade portuguesa de Cabrilho: “El virrey, no desalento por esto, despachó em 1542 dos de aqueles navios al mando de Juan Rodriguez Cabrillo, português honrado, valiente y práctico em la marina” (3)  Aliás, a conclusão de Clavijero é compartilhada por outros notáveis historiadores. (4) Quem terá mais credibilidade?

Já se sabia há muito, pois confirmei documentalmente e escrevi na biografia de Cabrilho:  “Cerca de 1532,  vem à Península Ibérica, onde ficou durante alguns meses, talvez cerca de um ano,  certamente a cortejar a sua futura esposa, Dona Beatriz Sánchez de Ortega”.(5)

Segundo o livro citado de Wendy Kramer, embarcou   na nau San Juan no porto de Veracruz no México em Outubro de 1531. Durante a travessia até Cuba desapareceram do barco algumas barras de ouro    que o Procurador transportava de Guatemala para Espanha destinadas à Coroa Real. O roubo das barras motivou  um longo processo judicial com início em Novembro de 1531, quando a San Juan fez escala em Havana na ilha de Cuba. Tripulantes e passageiros foram interrogados pelas autoridades locais, e, os  suspeitos, sujeitos a tortura para confessarem o roubo. Quando o barco atracou em Tenerife nas Canárias, a inquirição continuou  pelas autoridades da ilha. Igualmente em   Cádiz e em Sevilha após a chegada da San Juan no início de Fevereiro de 1532. Nessas cidades, o interrogatório esteve a cargo dos oficiais da  “Casa de la Contratación de las Indias”. Cabrilho sendo  passageiro também foi inquirido.

Transcrevo do livro  a frase que segundo Kramer desvia o nascimento de Cabrilho para Espanha: “E luego  los dichos Señores Jueces mandaron parecer ante a si a un hombre que se dijo por nombre  Juan Rodriguez Cabrillo natural de Palma de Micer Gilio…” (Pág.50)

 

Fig. 3 –   Quadro do Museu da América em Madrid com um pormenor do porto de Sevilha. (Reproduzido do livro: “João Rodrigues Cabrilho Um Homem do Barroso?”, CMM,  Tavares, João Soares)

Antes de  analisar  a frase  atribuída a Cabrilho  esclareço:  Em Sevilha,   nas primeiras décadas do século XVI, aglomeravam-se espanhóis, portugueses e outros estrangeiros, esperançados em obter um lugar no primeiro navio que zarpasse para as “Índias Ocidentais” descobertas por Cristóvão Colombo. O  número aumentou após 1513, ano do descobrimento do Mar do Sul (Pacífico), quando a “descoberta de pepitas de ouro tão grandes como ovos”,  deu nome à “Castilla del Oro”,  região que  incluía  o Panamá actual. Segundo assevera João Lúcio Azevedo, “a quarta parte dos habitantes da cidade (Sevilha) era gente nascida em Portugal e o português era a língua que por toda a parte se ouvia falar”.  Com efeito, desde a primeira viagem de Colombo  em 1492, os portugueses não mais deixaram de participar nas viagens e expedições espanholas para o Novo Mundo, (6) que na generalidade eram organizadas em Sevilha (Fig. 3).  Todavia, os portugueses e os demais estrangeiros, se não tivessem uma licença especial não poderiam embarcar para as “Índias Ocidentais”. Somente os pilotos, mestres, construtores de navios, marinheiros, em que os espanhóis eram carentes, tinham boas possibilidades de obterem uma licença passada  pela rigorosa “Casa de la  Contratación de las Indias” de Sevilha.

Naquele tempo havia regras rigorosas. Carlos V (1500-1558) viu-se obrigado a restringir o embarque promulgando uma lei: “… no passe ningun extranjero en la navegación de las Indias”.(7) Os portugueses ocultavam a nacionalidade, inventavam um nome e indicavam uma naturalidade espanhola falsa ou recorriam a outros subterfúgios como estabelecerem-se numa localidade espanhola durante algum tempo para serem considerados vizinhos enganando assim a referida “Casa de la Contratación de las Indias”, que, entre outras funções, fiscalizava e elaborava os minuciosos registos tanto da tripulação como dos passageiros. Verificou-se com  centenas de portugueses que não estão mencionados no “Catalogo de Pasajeros a Indias” ou noutro documento, mas, os seus nomes aparecem  referenciados  nas “Indias de Castilla”, em geral com o nome espanhol ou espanholizado,  prática corrente segundo se prova documentalmente. (8) Foi  esse o procedimento de Cabrilho.  Caso  paradigmático verificou-se com o piloto  João Dias  de Solis, identificado castelhano  por historiadores espanhóis e portugueses. Só muitos anos depois descobriram ser um português escondido num nome espanhol.  Veja-se a sua história atribulada   no meu livro “Histórias de Vidas” (Lisboa, 2015).

É desconhecido o ano da chegada de  Cabrilho a Sevilha (ou ao porto no sul de Espanha de onde embarcou, segundo seu testemunho em 1514), e o que fez nesse tempo.  Para sobreviver terá trabalhado no que lhe apareceu. Era um jovem humilde como tantos à procura de melhores condições de vida. Por cruzamento de dados teria entre 12 e 17 anos quando chegou às Índias de Castela. “Com suporte em frases pouco esclarecedoras do próprio, deduz-se ter visto a luz do dia entre finais do século XV e primórdios do século XVI.” (9)

Regressemos à frase polémica do livro: “E luego  los dichos Señores Jueces mandaron parecer ante a si a un hombre que se dijo por nombre  Juan Rodriguez Cabrillo natural de Palma de Micer Gilio…” (Pág.50)

Durante o processo judicial em que se procurava descobrir quem seria o ladrão das placas de ouro transportadas na nau, alguém poderá imaginar Cabrilho responder ser  português, ter embarcado anos antes camuflado na viagem de Espanha para o Novo Mundo, com nome falso, conforme será provado à frente, numa época em que se verificavam restrições e proibição ao embarque de  estrangeiros para as Índias de Castela?

Se, Cabrilho, perante os oficiais judiciais não assumisse a naturalidade em  Palma del Rio, (Micer Gilio), atendendo às regras impostas nesse tempo, estava sujeito a não embarcar de regresso à Guatemala, onde possuía os seus bens, nomeadamente encomiendas e minas de ouro, que explorava com o futuro cunhado, Diego Sanchez de Ortega. (10)

Prossigo na análise do livro. Kramer escreveu:  “ Hay tres documentos en particular donde en cinco ocasiones distintas, queda registrado el testimonio de Cabrillo diciendo que se llamaba Juan Rodriguez Cabrillo…” (Pág. 46) Em outros documentos “…se emplearon también los apelativos ‘Juan Rodriguez’, ‘Juan Rodriguez mercader’ y ‘Juan Rodriguez escudero”. (Pág.46).

Kramer apresenta a seguinte interpretação : “… (Cabrillo) se hizo llamar ‘escudero’, como se quisiera agregar algo a su nombre, al haber dejado de usar  ‘Cabrillo´ momentáneamente. (…) A que se debe el uso de tantos nombres y oficios? Solamente podemos inferir que él intentaba dar cierta imagen quando estaba em  España y, a la vez, quizás trataba de encubrir outra.” (Pág. 145). Completo o  que na minha opinião, Kramer deveria acrescentar: encobrir a sua verdadeira nacionalidade. Kramer conclui: “ En tales circunstancias, sin duda, la preocupación hubiera sido terminar pronto sus negocios, casar-se y volver lo antes posible al refugio y la relativa anonimidad que Guatemala le brindaba, donde era un hombre rico y un poderoso encomendero… (Pág. 145) Concordo com Kramer embora por uma razão diferente: partir rapidamente antes que descobrissem ser  um falso espanhol que obtivera benesses com uma identidade falsa e sofresse a consequente punição.  Realmente, Cabrilho permaneceu em Espanha apenas cerca de um ano, o tempo necessário para contrair casamento e obter os benefícios pretendidos.

Durante  a sua estada em Espanha, Cabrilho usou também a identificação “Juan Rodriguez de Palma”  em Reales Cédulas e  em outros  documentos oficiais.

Kramer escreve:  “A  principios de Marzo Cabrillo hizo peticiones com resultados beneficiosos: cinco reales cédulas fuoron otorgadas por los oficiales em España dirigidas a las autoridades en Guatemala, en las quales se le concedian favores, licenças y exenciones a “Juan Rodriguez de Palma”. ( Pág. 56 e 57) . “El 24 de mayo la corona emitió outro grupo de reales cédulas. De nuovo se concedia  a   Juan Rodriguez de Palma…”. (Pág. 58). Kramer fornece a seguinte explicação relativamente a “Juan Rodriguez de Palma”: “Este nombre aparece únicamente el la documentación emitida por la Corona. El mismo Cabrillo no lo usó en la transcurso de su vida, tampoco los oficialles reales o miembros del Cabildo em Guatemala, ni mucho menos su familia.” ( Pág. 77). A minha interpretação é a seguinte: Cabrilho agregou “Palma” ao nome, insinuando-se  espanhol de Palma de Micer Gilio, um  estratagema  para as autoridades não levantarem suspeitas sobre a sua origem portuguesa e  concederem-lhe os citados “favores, licenças y exenciones” em que os espanhóis tinham vantagem. Realmente, durante toda a permanência na Guatemala antes  da viagem à Península Ibérica, foi sempre registado  e identificado por Juan Rodriguez. (11)  Quando abandonou Espanha,  libertou-se definitivamente de “Palma”, porque deixou de ter valor para os seus interesses pessoais e voltou a ser apenas Juan Rodriguez. Este procedimento (ausência de “Palma” no nome), manteve-se durante os anos seguintes de vida e continuado pela família  após a sua morte. Kramer certifica numa passagem do livro: “Es curioso que Palma de Micer Gilio jamás se mencionara ni em los pleitos sobre las encomiendas, ni em las probanzas de méritos y servicios de Cabrillo, elaboradas por sus descendientes. Esto nos lleva a especular que la divulgación de información sobre sus origenes,  – su lugar de nacimiento especificamente – no era em beneficio próprio de la família y peligraria parte de la premissa de sus solicitudes a la Corona Real.”  (Pág. 78)

Não estranho o procedimento de Cabrilho nem  o da  família, e corrobora a minha interpretação anterior: porque  a naturalidade em Palma fora engendrada pelas razões evidenciadas. Sendo descoberto, repito, poderia trazer-lhes dissabores.  Sujeitos às leis espanholas, em constante mudança nas Índias de Castela nesses tempos conturbados das primeiras décadas do século XVI,  perderiam benefícios obtidos indevidamente da Coroa Real. Acrescente-se, os portugueses em geral  escondiam a sua nacionalidade sobretudo se adquiriam prestígio – Cabrilho   foi um dos conquistadores  mais ricos da Guatemala – ,  porque não eram “bem-queridos” dos espanhóis  resultando inimizades.

Continuando a seguir o livro de  Kramer, transcrevo  de uma Real Cédula de la Reina, assinada em 9 de Maio de 1532, portanto, ainda durante a sua permanência em Espanha, o seguinte: “Juan Rodriguez de Palma,  vecino de la ciudad de Santiago, que es en la dicha provincia  (de Guatemala), me hizo relación que ele ha mas  de diez e ocho años (em 1514) que paso a esas partes em el armada de Pedrarias de Avila…” (Pág. 57).

Em benefício da verdade, esta  viagem  está bem documentada. (12) Teve início no porto do sul de Espanha  Sanlúcar de Barrameda em 11 de  Abril de 1514 e  chegou  em Julho desse ano à  referida Castilla del Oro, onde já existia uma pequena cidade fundada por Vasco Nuñez  de Balboa descobridor do Mar do Sul (Pacífico)  em 1513. Era formada por vinte  barcos e cerca de 1500 homens entre tripulantes, militares, funcionários do governo, padres, colonos…  Dentre eles viajaram os historiadores Bartolomé de las Casas e Fernández de Oviedo, que deixaram preciosos documentos sobre as “Indias de Castilla”. Nos registos da viagem aparecem os nomes dos membros da tripulação e local de origem. (13) Na lista dos tripulantes e viajantes, não existe  qualquer Juan Rodriguez, Juan Rodriguez Cabrillo, ou Juan Rodriguez  de Palma. (14). Este facto significativo é confirmado por Kramer na página 57 do livro. Estamos perante mais uma prova: viajou   camuflado com nome falso  pelas razões aludidas. Sendo Cabrilho espanhol teria necessidade de esconder o nome? Aparecem referenciados nominalmente três portugueses que atendendo aos seus ofícios certamente não tiveram dificuldade em obter licença:  João Português e Simão Português, ambos marinheiros (15) e, Melchior de Évora, carpinteiro de navios. (16)  Por certo, seguiram outros portugueses camuflados debaixo de um nome falso. Entre eles estava Cabrilho.

Kramer bem procurou nos arquivos de Palma del Rio, a localidade espanhola que  almeja ser a terra natal do navegador, com a ajuda de um historiador local encontrar algum documento que relacionasse Cabrilho com a terra ou com um eventual  familiar. Em vão. Nem sequer uma  tradição oral que o ligasse a Palma. Então concluiu: “… creemos que Cabrillo no habria visitado su lugar de nacimiento em 1532 y que em esse tiempo haya cortado cualquier lazo familiar com Palma y que la família se haya trasladado a Sevilla u outro lugar.” (Pág. 89). Isto é especular.

Se  Palma del Rio  (Micer Gilio), fosse a sua terra natal, seria um procedimento normal  Cabrilho visitar a localidade não muito distante de Sevilha para rever os pais, familiares, amigos…, afirmo eu. Kramer é imaginativa quando escreve:  “cortara qualquer laço familiar com Palma e a família mudara-se para outro lugar”.  Eu pergunto: Em que se fundamenta? Não mudou de lugar,  a família permanecia em Portugal porque Cabrilho é português conforme Antonio de Herrera registou na sua  crónica citada atrás e, se constata em “outras provas”  na  segunda parte deste estudo.  (17)

Wendy Kramer  corrobora a opinião de um historiador americano (Kelsey)  e cita-o: “… senaló que la própria família y descendientes de Cabrillo y aquellos que lo conocieron em Santiago de Guatemala, no mencionaron que él fuera  portugués.” Justifica: “ En el primer libro del Cabildo de Guatemala aparecen registros em marzo y sobre ‘Domingo portugués’  a quien se  considió un solar, y de ‘Juan Alvares portugués’, a quien se le dio tierra para cultivo.” (Pág. 36) Este procedimento não está generalizado nas fontes espanholas. Direi mesmo, são mais as situações em que a nacionalidade ou a naturalidade não estão associadas ao nome. Justifico com 2 exemplos:  Na frota de onze navios comandada por Hérnan Cortés que zarpou em 1519 de Cuba destinada à conquista do México foram identificados 22 portugueses. (Certamente haveria mais camuflados debaixo de nome espanhol.)  Nessa   lista,  aparecem apenas referenciados, “un português viejo”, “Fernando Afonso de Vilanova”, “Bartolomeu de Vilanova”, “Bernardino de Vilanova” e “Afonso Martin de Alpedrino” (possivelmente referente a Alpedrinha). (18) No ano seguinte juntaram-se ao exército de Cortés, 15 militares provindo das hostes de Pánfilo de Narváez, que também viajaram de Cuba para o México.  Apenas em 4 está referenciada a proveniência de Portugal: “Afonso Gonçalves de Portugal”, “Jorge Santarém”, “Juan Alvares de Santarém”  e Sebastião de Évora”. (19) Portanto, em pelo menos 37 combatentes portugueses  somente em 8 é referenciada a origem. Os restantes 29 portugueses  perderam o nascimento em Portugal por não estar  associada ao nome a sua terra natal  ou a nacionalidade portuguesa? A resposta é óbvia: não.

O nome de baptismo do nosso compatriota era João Rodrigues.   Tenho fortes razões para afirmar ser “Cabrilho” uma alcunha que o navegador juntou  ao nome  para se distinguir de combatentes homónimos como ele pertencentes ao exército de Hernan Cortés, (20), inspirado, assim  parece,  no topónimo da aldeia Cabril  onde  existe uma tradição oral de referência que liga o seu nascimento aquela terra.

Depois da conquista do México,  Cabrilho separou-se do exército de Cortés e parte em 1523 no exército de Pedro de Alvarado para a conquista da Guatemala. No Libro Viejo de la Fundación de  Guatemala,  que reúne as Actas del Cabildo referentes às sessões do Ayuntamiento realizadas entre 1524 e 1530 na cidade de Santiago de los Caballeros, onde viveu e foi um dos fundadores, é sempre referenciado   por Juan Rodriguez. (21) Verifica-se  nas actas de 12 de Agosto de 1524, 26 de Novembro de 1527, de 18 de abril de 1528 e 22 de Abril de 1528. (22). Acrescente-se ser referenciado nove  vezes sempre  por Juan Rodriguez. (23) “Cabrilho/Cabrillo” esteve sempre ausente no nome, porque era o único habitante da cidade denominado Juan Rodriguez. Infere-se, ser  desnecessário juntar uma alcunha ao nome.

Quando o navegador faleceu numa ilha do Pacífico, os companheiros em homenagem ao seu comandante “pusieron nombre a la isla de Juan Rodriguez” (24). A exclusão de “Cabrilho/Cabrillo” na designação da ilha, é mais uma prova de se tratar de uma alcunha. Consideraram apenas o nome genuíno do navegador.

Regressemos ao livro de Kramer. A autora teve conhecimento de um documento do século XVI do qual transcrevo: “… Alfonso Gómez, ‘cabrillo’ , vezynos desta dicha villa.” (pág. 146) Deduziu: “… dada la forma en que se utilizó , era probable que se tratara de un oficio y no de un apellido…”. (Pág. 146)  Posteriormente, um cronista de Palma del Rio disse-lhe ter encontrado “… el apellido medieval ‘Cabrillo’ entre familias  moriscas en varias localidades del reino español. Y gracias a su hallazgo, podemos ahora aseverar que igualmente ‘Cabrillo’ era un apellido morisco.” (Pág. 147)

Naquele tempo, os mouros, descendentes de mouros, ou mouros convertidos, não eram “bem vistos” e, até marginalizados, por isso escondiam a identidade. Transcrevo da pág. 138 do livro: “En 1501, los Reyes Católocos aconsejaron que ni ‘moros ` (…) ni personas nuevamente convertidos em nuestra fe pudieran viajar a America…”.  Para não levantarem suspeitas e passarem despercebidos, era costume escolherem para os filhos os apelidos espanhóis dos padrinhos. Havia  denúncias frequentes, e alguns foram expulsos das “Índias de Castela”.

É inimaginável Juan Rodriguez Cabrillo escolher  um  “apellido morisco”. Chamar à atenção  para a sua eventual origem?

Fig. 4 – Rua em Lapela  de Cabril  aldeia nas faldas da serra do Gerês. (Foto reproduzida  do livro  “ Montalegre e o descobridor da Costa da Califórnia”, CMM, Tavares, João Soares)

Como explicar ter repetido nome igual – Juan Rodriguez Cabrillo num dos filhos,  na opinião de Kramer, com um “apellido morisco”?  Será mais  coerente admitir,  quando João Rodrigues  necessitou de se distinguir de homónimos, procurou  a alcunha no topónimo da sua terra natal, Cabril, (Fig. 4) onde ainda existe a casa que o terá visto nascer.  (25) Quais os benefícios para a família em  perpetuar um  “apellido morisco” em  Geronimo Cabrillo y Aldana e Alonso Cabrillo de Medrano, netos do navegador ? (26)

 

                                                       CONCLUSÃO

Conforme se constata no livro analisado, deve-se a Wendy Kramer ter achado o processo judicial sobre o roubo das barras de ouro da nau San Juan, onde Cabrilho viajou  do México para Espanha, e a consequente descoberta de dados desconhecidos sobre o navegador. Justiça lhe seja feita. Porém, conforme explicitei, a autora  apresenta  argumentos frágeis  sobre a  eventual nacionalidade espanhola de Cabrilho.

Durante a  estada em Espanha, Cabrilho ao  juntar “Palma” ao nome insinua-se espanhol de Palma de Micer Gilio   identificando-se “Juan Rodriguez de Palma”,  com o intuito de receber  benefícios em que os espanhóis tinham vantagem. Confirma-se documentalmente, utilizou essa artimanha apenas enquanto permaneceu em Espanha. Em data anterior  e, após regressar à Guatemala, foi sempre designado Juan Rodriguez. Nunca usou “Palma” no nome e Palma de Micer Gilio foi completamente esquecida por Cabrilho e pela família.

Kramer desvalorizou documentos, aligeirou a análise de outros e, ignorou factos fundamentais, nomeadamente as condições em que Cabrilho  e centenas de portugueses  viajaram  naqueles anos do século XVI recorrendo a  subterfúgios diversos, camuflados, com um nome falso, estabelecendo-se numa localidade espanhola durante algum tempo para serem considerados vizinhos, pois só assim conseguiam embarcar para as “Índias de Castela” enganando  a rigorosa “Casa de la Contratación de las Indias”.

Conforme ficou documentado, o nosso compatriota viajou em 1514 de Espanha para as “Índias de Castela” na “armada de Pedrarias de Avila”. Kramer não apresentou uma explicação para a inexistência  de qualquer Juan Rodriguez, Juan Rodriguez Cabrillo, ou Juan Rodriguez  de Palma nos registos dessa viagem,  pois teria de concluir ter Cabrilho viajado com nome forjado, que não se justificaria sendo espanhol.

A análise do livro, necessariamente abreviada, permitirá ao leitor responder à pergunta:   QUAL É A VERDADEIRA NACIONALIDADE DE JOÃO RODRIGUES CABRILHO?

* Investigador, Biógrafo de Cabrilho

 

                                                       NOTAS

 

(1) Para os interessados, passe a publicidade, citam-se da autoria do signatário desta crónica os livros: “Os passos de Cabrilho”; “João Rodrigues Cabrilho um Homem de Barroso?”; “Montalegre e o descobridor da Costa da Califórnia”; “Histórias de Vidas”, além de diversos artigos publicados em revistas cientícas e em jornais, nomeadamente  nas revistas: Aquae Flaviae de Julho de 2020:  “Notas complementares para a biogradia de Cabrilho”; Aquae Flaviae de Junho de 2023: “João Rodrigues Cabrilho um português entre Lapela, Tulha Nova e Palma del Rio”; no suplemento “Cultura” do Diário do Minho, de 19.01.2019: “João Rodrigues Cabrilho  português ou espanhol?”;  no suplemento “Cultura” do mesmo jornal de 09.02.2022: “João Rodrigues Cabrilho, Factos e incertezas”;  na Revista Forum Galaico-Transmontano de 05 de Dezembro de 2008: “João Rodrigues Cabrilho um transmontano notável” e, no jornal “Ecos de Barroso”.

(2) Herrera, Antonio de, “Historia General de los Hechos de los Castellanos en las Islas y Tierra Firme del Mar Oceano”, Madrid, 1614

(3) Tavares, João Soares – “João Rodrigues Cabrilho Um Homem do Barroso?”, CMM, 1998, reproduzido de Clavijero, Francisco Javier, Historia de la Antigua o Baja California, Veneza, 1978

(4) Veja-se: Tavares, João Soares – “João Rodrigues Cabrilho Um Homem do Barroso?”, CMM, 1998

(5)  Tavares, João Soares, ob. cit.

(6) Veja-se: Tavares, João Soares – “Portugueses no descobrimento e exploração do Novo Mundo”, in Suplemento Cultura do Diário do Minho, de 09.04.2022

(7)  Tavares, João Soares – “João Rodrigues Cabrilho Um Homem do Barroso?”, CMM, 1998

(8) Veja-se: Tavares, João Soares, “João Rodrigues Cabrilho  português ou espanhol?”, in suplemento “Cultura” do Diário do Minho, de 19.01.2019

(9) Veja-se: Tavares, João Soares – “Histórias de Vidas”, Lisboa 2015

(10) Tavares, João Soares – “João Rodrigues Cabrilho Um Homem do Barroso?”, CMM, 1998

(11) Veja-se Tavares, João Soares  – “Notas complementares para a biografia de João Rodrigues Cabrilho”,  in Revista Aquae Flaviae de Julho de 2020

(12) Garcia, Maria del Carmen Mena, Rev. Woodward, Ralph lee – Sevilla y las flotas de Indias: la gran armada de Castilla del Oro (1513-1514), Sevilla, 2000, Universidade de Sevilla

(13) Garcia, Maria del Carmen Mena, Rev. Woodward, Ralph lee, ob. cit.

(14) Boyd-Bowman, Peter – Indice geobiografico de más de 56 mil pobladoresde la América hispánica: (1493-1519), México, FCE,1985

(15)  Boyd-Bowman, Peter, ob.cit.

(16) Idem, ibidem

(17)  “OUTRAS PROVAS EM DEFESA DA NACIONALIDADE PORTUGUESA DE CABRILHO”, segunda parte deste estudo. (A publicar).

(18)  “Relaccion de los valerosos Capitanes y fuertes soldados que  passamos dendo la isla de Cuba com el venturoso y muy animoso Capitan D. Hernando Cortés, in  Díaz del Castillo, Bernal – Historia verdadera del descubrimiento y población de Nueva España, (séc. XVI), México, edição de 1974; Boyd-Bowman, Peter – ob.cit; Tavares, João Soares – “Histórias da História”, in Suplemento “Das Artes das Letras” de O Primeiro de Janeiro, Porto, 25 de Abril de 2005.

(19) Boyd-Bowman, Peter – ob. cit;  Icaza, Francisco – Dicionario  autobiografico de conquistadoresy pobladores de Nueva España, Madrid, 1923

(20) Veja-se, Cortés, Hernán, 2ª Carta de Relación, datada de 30 de Outubro de 1520 escrita a Carlos V. A primeira edição é de 8 de Setembro de 1522 em Sevilha da responsabilidade de Cromberger; a segunda edição é de George Coci de 5 de Janeiro de 1523 em Zaragoza.

(21) Libro Viejo de la Fundación de  Guathemala, 1524-30,  Archivo General del Gobierno de Guathemala, Texto restaurado elaborado pela Academia de Geografia e História de Guatemala

(22)  Libro Viejo, ob. cit.

(23) Idem, ibidem

(24) Paez, Juan – Relación  del descubrimiento q hizo Juan Rodríguez navegando por la contra costa del Mar del Sul al Norte,  Coleccion de documentos inéditos relativos al descubrimiento, conquista y colonizacion de las posesiones españolas en América y Oceania. Archivo General de Indias, Sevilha

(25) Veja-se Tavares, João Soares  – “João Rodrigues Cabrilho um português entre Lapela, Tulha Nova e Palma del Rio”,  in Revista Aquae Flaviae de Julho de 2023

(26) Veja-se: Tavares, João Soares – “Montalegre e o descobridor da Costa da Califórnia”, CMM, 2009

(João Soares Tavares escreve segundo o anterior acordo ortográfico)

 

 

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