AFINAL QUEM DESCOBRIU A AMÉRICA? (Parte III)

0
747
Dr. João Soares Tavares

AFINAL QUEM DESCOBRIU A AMÉRICA? (Parte III)

João Soares Tavares

(Continuação)

São reduzidas as fontes portuguesas da expansão marítima para Ocidente. As informações sobre viagens naquela direcção encontram-se principalmente em Arquivos e Bibliotecas de outros países. O que terá acontecido às cartas náuticas e aos roteiros de viagens da exploração atlântica em longitude?

Fig. 1 – A “Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné, 1448-1453, de Gomes Eanes de Zurara (Bibliotèque Nationale de Paris)

Admite-se, tais documentos desapareceram ou foram intencionalmente destruídos. A pouca divulgação oficial das viagens dos portugueses teria um objectivo: manter segredo dos avanços conseguidos numa época em que se procurava saber se era preferível descobrir o caminho marítimo para a Índia pelo Ocidente, ou viajando em rota directa, isto é, para o extremo oriente asiático. A esta “ocultação aos outros povos da marcha dos Descobrimentos”,  historiadores houve que designaram  “Política do Sigilo”. Porém, estou em crer, que um número elevado de documentos não escapou ao incêndio que devastou Lisboa após o terramoto de 1755. Outros desapareceram devido a causas diversas. Alguns foram intencionalmente mutilados. Refiro, nomeadamente, “A Crónica dos Feitos da Guiné”, (1453) de Gomes Eanes de Zurara cujo texto foi retocado não correspondendo o original à obra impressa. (Fig. 1)

Há documentos referenciados em obras de arquivos estrangeiros, cujo rasto nacional se perdeu. Qualquer que seja a interpretação, não se pode duvidar, que, os nossos reis da época áurea dos Descobrimentos, sem esquecer o Infante D. Henrique, estavam interessados no Descobrimento de terras a Ocidente. Sobre essas preocupações é exemplo a “Relação de Diogo Gomes” – «De prime inventione Guinea».

Diogo Gomes foi um notável navegador do século XV. Começou por ser moço de câmara do Infante D. Henrique. Em 1451 era já escudeiro. Entre 1456 e 1462, participou em várias viagens, revelando-se um hábil piloto. Foi um dos navegadores do Infante D. Henrique, um “caravelista”, como aparece referenciado em documentos. As suas memórias foram transmitidas oralmente ao alemão  Martin Behaim (Martinho da Boémia) que as escreveu em latim. O manuscrito encontra-se presentemente na Biblioteca de Munique. Existe uma cópia na Biblioteca Nacional de Lisboa.

Da “Relação de Diogo Gomes”, transcreve-se a seguinte passagem: ” desejando (o Infante D. Henrique) conhecer as regiões afastadas do oceano ocidental, para saber se havia ilhas ou terra firme, além da descrição de Ptolomeu, enviou caravelas a procurar terras”. Infere-se que se tratava de descobrir terras no Atlântico ocidental.

A “Relação de Diogo Gomes”, terá sido escrita pela primeira vez cerca de 1466 e completada somente dez anos depois, segundo admite Vitorino Magalhães Godinho. (1)

A data referida poderá ser incorrecta. Parece não haver dúvidas,  a  “Relação”, foi ditada por Diogo Gomes a Martin Behaim. É também a opinião de Duarte Leite. Para este historiador foi elaborada por Behaim sobre notícias verbais de Diogo Gomes, navegador que era “na totalidade, ou quase analfabeto”. (2). Seguramente, foi redigida depois de 1484, ano da chegada  do alemão  a Portugal. (3)

A data certa da elaboração da “Relação de Diogo Gomes” não invalida que já desde o tempo do Infante D. Henrique (1394 -1460), os portugueses tinham os olhos postos “Além-Atlântico”, com a preocupação de descobrir as terras que estariam a Ocidente. Portanto, muitos anos antes da primeira viagem de Colombo em busca da sua almejada Índia.

  1. Henrique dispunha de uma equipa de pilotos e de marinheiros experientes ao seu serviço, que “buscavam grandes proveitos em mercês e aumento de riqueza”. (4)
Fig. 2 – Barco da época dos descobrimentos. (Arquivo pessoal)

Os barcos que hoje nos parecem extremamente precários,  reuniam as condições técnicas decisivas que permitiram aos nossos navegadores explorarem o Mar Oceano, (Atlântico) como então era conhecido.( Fig.2)

Quantas viagens se realizaram para Ocidente durante o período Henriquino? Não sabemos! As razões já foram por nós sugeridas. Não fosse o livro de Fernando Colombo sobre as notas do Almirante, seu pai, embora deturpando parcialmente a verdade, e, a obra de Bartolomé de Las Casas, citada, não teríamos um conhecimento mais completo da viagem de Diogo de Teive, cerca de 1452, para Ocidente, narrada em crónica anterior. Por certo, durante o período Henriquino houve outras viagens.

Fig.3 – “Crónica de D. Afonso V” de Rui de Pina, século XV . (Arquivo Nacional da Torre do Tombo)

O documento mais antigo conhecido que faz a doação de ilhas a descobrir no Atlântico, é de D. Afonso V. (Fig. 3)  Data de 19 de Fevereiro de 1462 e era seu destinatário João Vogado. O mesmo documento refere que “são achadas duas ilhas que ainda não são povoadas”, respectivamente com os nomes de Louo e Capraria. Seriam ilhas do arquipélago das Antilhas?  Do arquipélago dos Açores não eram por certo. Tão pouco seriam ilhas Canárias ou do arquipélago da Madeira. Em 1462 as ilhas dos três arquipélagos estavam totalmente descobertas.

 

 

Fig. 4- As ilhas Louo e Capraria na carta de Bartolomeu Pareto (1455) . (Biblioteca Nacional de Roma)

 

Fig. 5 – Carta de Gracioso Benincasa (1469). (Biblioteca da Universidade de Bolonha)

As ilhas referidas – Louo e Capraria – aparecem representadas  nas cartas de Bartolomeu Pareto  (Fig. 4  ) e de Gracioso Benincasa  (Fig.5) localizadas a ocidente do Cabo de S. Vicente (Algarve). Contudo, além do documento régio de D. Afonso V, desconhecem-se  documentos que confirmem o seu descobrimento.

Em diferentes datas, até 28 de Janeiro de 1474, são formuladas mais cinco cartas de doação régia de ilhas que uns terão visto, outros imaginado, certamente influenciados pela lenda das “Ilhas Perdidas” ou da “Ilha das Sete Cidades” narrada numa história anterior.

O pedido formulado pelo interessado era sensivelmente o mesmo. Tomo como exemplo o pedido de Ruy Gonçalves da Câmara, filho do descobridor da Madeira João Gonçalves Zarco, destinado ao rei: “… como o seu desejo e voomtade era buscar nas partes do mar ouciano huumas ylhas para as aver de povorar e aproveytar” (5) Pelo seu lado o rei declara em carta de 21 de Junho de 1473 “…de huma ilha que elle perssy ou seos navyos achar, com outorga (…) pêra elle e todos seus erdeyros que delle decemderem …” (6). O texto da doação régia era semelhante para os diferentes pedidos, ressalvando sempre que o descobrimento deveria realizar-se fora dos mares da Guiné, portanto para Ocidente. As terras “dos mares da Guiné” estavam reservadas para o rei. Todavia, não  há documentos sobre os resultados de tais viagens, embora sejam evidentes muitos indícios de viagens para Ocidente.  Volto ao livro de Fernando Colombo. Esta obra fornece mais dados interessantes sobre as viagens portuguesas.  Transcrevo: ” (Colombo) ouviu da boca do piloto Martim Vicente (piloto do Infante D. Henrique) que encontrando-se ele uma vez a 450 léguas ao poente do Cabo de S. Vicente (Algarve), encontrou e tomou do mar um pedaço de madeira trabalhada, mas não com ferro: do qual facto, e por haver muitos dias soprando o vento do poente, concluiu que o dito lenho vinha de algumas ilhas que estivessem do lado do Ocidente”. (7)

O que faria o piloto Martim Vicente a “450 léguas ao poente do Cabo de S. Vicente”? A resposta é óbvia: a “procurar terras”, utilizando a terminologia da “Relação de Diogo Gomes”.

Noutra passagem do mesmo livro lê-se: “… um português chamado Vicente Dias, morador em Tavira, vindo da Guiné, à supradita ilha da Terceira, tendo já passado a ilha da Madeira, a qual deixou a levante, viu ou imaginou ver umas ilhas…” (8)

Volto a recorrer à obra de Las Casas para transcrever mais uma informação complementar, fornecida por outro navegador: …”um tal António Leme, que vivia na Madeira com sua mulher, assegurou-lhe (a Colombo) que uma vez tinha navegado para Ocidente com a sua caravela e que tinha observado três ilhas nas redondezas”. (9)

Vejamos agora o que escreveu o Almirante no diário da sua primeira viagem a 2 de Setembro de 1492, (transcrito por Las Casas) quando aportou em La Gomera uma das ilhas Canárias. “O Almirante disse que muitos Espanhóis, homens de honra, habitantes de Hierro (ilha das Canárias) que estavam na Gomera (…) juravam que todos os anos apercebiam uma terra a oeste das Canárias, ou seja a poente. Outros habitantes da Gomera afirmavam o mesmo sob juramento. O almirante disse aqui que se lembra que, estando em Portugal no ano de 1484, alguém da ilha da Madeira veio pedir ao rei para ir para essa terra; e este homem jurava que, todos os anos, a via, e sempre no mesmo lugar. O almirante disse também lembrar-se de que a mesma coisa se dizia na ilha dos Açores; e todos concordavam na direcção, no aspecto e na grandeza”. (10)

Sem pretender ser exaustivo aqui deixo um resumo de alguns dados preservados em documentos chegados até aos nossos dias.

A opção em descobrir o caminho marítimo para a Índia pelo Atlântico sul contornando a Africa, conforme se verificou anos depois, admite a realização prévia de muitas viagens dos portugueses explorando o Atlântico em longitude. Até aonde navegaram? Por certo bordejaram e avistaram terras a Ocidente, que, atendendo à distância percorrida, sabiam não ser a Índia. Somente, a partir de 1492, as naus de Castela sob o comando de Colombo iniciaram as viagens na mesma direcção tendo “tropeçado”  na primeira Antilha. “Descobriram” um Novo Mundo, que, anos mais tarde, foi designado ingloriamente América,   assunto  para outra história.

NOTAS:

(1) “Documentos sobre a expansão portuguesa”, de Vitorino Magalhães Godinho, Lisboa

(2) “História dos Descobrimentos Portugueses”, de Duarte Leite, Lisboa

(3) Martin Behaim (Martinho da Boémia) a quem Diogo Gomes ditou a “Relação” viveu em Portugal a partir de 1884 e casou com a portuguesa D. Joana de Macedo, filha de Jos de Hurtere, donatário das ilhas do Faial e do Pico. Provavelmente viajou no Atlântico numa armada portuguesa. Depois, em 1492, numa visita ao seu país – Alemanha – construiu um globo terrestre com interesse sobre navegação, embora pouco rigoroso em vários aspectos. Encontra-se uma cópia desse globo na Biblioteca Nacional de Paris.

(4) “Crónica dos feitos da Guiné”, de Gomes Eanes de Zurara, Lisboa, 1949

(5) “Os Corte-Reaes”, de Ernesto do Canto, Archivo dos Açores, 1892

(6) “Colecção de Documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores “, de Velho Arruda, Ponta Delgada, 1932

(7) “Le Historie della Vitta dei Fatti di Cristoforo Colombo”, per D. Fernando Colombo, suo figlio, Venecia, 1571

(8) “Le Historie della Vitta dei Fatti di Cristoforo Colombo”, ibidem

(9) Las Casas, Bartolomé de – “Historia General de las Indias”,  Archivo General de Indias, Sevilha

(10) Diário de Bordo da primeira viagem de Cristóvão Colombo, cópia de Bartolomé de Las Casas, in “Viajes de Cristobal Colón. Diários, Cartas y Documientos”, Archivo General de Indias, Sevilha

(João Soares Tavares escreve de acordo com a anterior ortografia)

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here