ANDORINHA SOLITÁRIA

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Dr. João Soares Tavares

 ANDORINHA SOLITÁRIA

                (Um caso singular em época natalícia)

João Soares Tavares

Em Primavera já longínqua uma andorinha ergueu ninho no beiral da minha casa. Acompanhei a construção realizada com esmero: areia, lama e restos vegetais aglutinados com a própria saliva.    Todos os dias pela manhã deixava-lhe algum alimento sob o beiral.

Quando no final da tarde regressava a casa, saía do seu refúgio e esvoaçava no espaço circundante certamente em reconhecimento pela minha dádiva. Um hábito metodicamente repetido. Não se verificou incubação, pois não lhe vi descendência. Era uma andorinha solitária.

Esta companheira inesperada permaneceu enquanto o tempo manteve amenidade.

Quando as árvores se despiram e os dias já convidavam ao aconchego da lareira, a andorinha viajou. Na Primavera seguinte não retornou. Meses sucederam a meses. As plantas repetiram o ciclo da vida. O vento e a chuva em dias invernais demoliram o ninho.

O meu trabalho diário desviou-me a lembrança daquela andorinha. 

Na última Primavera fiquei surpreendido ao observar a construção de um novo ninho no mesmo beiral. 

A andorinha retornou! Embora estas aves tenham em média oito anos de vida – apenas uma subespécie consegue viver durante mais anos –, estou convencido, embora sem poder provar, é a mesma andorinha que numa Primavera remota construiu o primeiro ninho. 

Voltei a deixar-lhe alimento sob o beiral tal como fizera naquele ano.                                     

Os últimos dias do Verão são já uma lembrança e a andorinha ainda não viajou.

Caiu a noite. Abandonei o conforto da lareira, vesti um agasalho e saí. Deparei-me com uma noite límpida de lua cheia. Matizes amarelo-alaranjadas espelham-se na lagoa agora adormecida. Um manto de pequeninas pérolas brilha na vegetação herbácea. Nem uma aragem. Uma estrela mais cintilante sobressai naquele silêncio penetrante. Subitamente, uma brisa provocou-me um arrepio e foi trautear nos arbustos em redor. Para quem não está habituado estas coisas metem respeito, porque o dia é fundamental para os seres vivos, mas a noite é a vida dos espíritos. 

A andorinha iria resistir ao frio? Abeiro-me do ninho. Uma cabeça esguia sobressai banhada pelo luar outonal. Ao reconhecer-me aninhou-se no seu leito protector. Retorno ao aconchego da lareira confortado porque a minha companheira não me abandonou. Permanece no beiral da casa.

Casa da Lagoa, Dezembro de 2019

(Por decisão do autor este texto não segue o novo acordo ortográfico)

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