Uma outra análise da Bloomberg New Energy Finance, já do último mês de março, revelava que em 2022 entraram em operação 16 gigawatts (GW) de novas instalações de armazenamento (com uma capacidade de 35 GWh), mais 68% do que no ano anterior. A Bloomberg NEF estima que o crescimento deste mercado até 2030 seja de 23% ao ano, atingindo à escala global no final da década os 508 GW (1432 GWh), mas alerta para a falta de clareza das políticas públicas neste domínio.
Em Portugal o mercado das baterias de lítio de uso residencial é ainda incipiente. Os equipamentos já existem e vão sendo comercializados por algumas empresas que também apostam na venda de sistemas fotovoltaicos, de forma a minimizar as necessidades de consumo de eletricidade da rede. Mas o elevado custo das baterias não permitiu ainda uma verdadeira democratização desta solução. Ou, pelo menos, não ao ponto de uma massificação como aquela a que vamos assistindo na instalação de painéis solares para autoconsumo ou na venda de carros elétricos.
No mercado industrial, segundo fonte de uma das empresas mais ativas no país na montagem de projetos de autoconsumo para indústrias, “há interesse em instalar baterias mas sempre como complemento a centrais solares”. Quem, quando, quanto, onde e como são ainda questões em aberto.
Numa escala maior, vão surgindo várias intenções de investimento em sistemas de baterias acopladas a parques eólicos e fotovoltaicos. Em rigor, nos Açores já saltámos o plano das intenções: no mês passado a ilha Terceira inaugurou um sistema de baterias com uma potência de 15 megawatts (MW) e uma capacidade de armazenamento de 10,5 megawatts hora (MWh), um projeto que envolveu a EDA – Eletricidade dos Açores, Siemens, EDP, entre outras entidades. Vários outros projetos com baterias estão a ser desenvolvidos nos Açores e na Madeira: as ilhas são, em termos de energia, um mercado natural para a exploração do armazenamento.
Mas também em Portugal Continental há projetos para parques de baterias junto a empreendimentos solares e eólicos. No projeto com que ganhou o concurso para o ponto de ligação à rede do Pego (libertado pelo fim da central a carvão da Tejo Energia), a Endesa apresentou uma combinação de geração solar e eólica, com baterias e produção de hidrogénio verde. A componente de armazenamento no Pego será expressiva: 168 MW, segundo indicou o presidente da Endesa ao Expresso em junho do ano passado.
A maior central solar do país, a ser desenvolvida em Santiago do Cacém pela Prosolia e Iberdrola, terá uma potência de 1242 MW, e também incluirá algum armazenamento, embora numa escala menor do que a do projeto inicial. Segundo a declaração de impacto ambiental (favorável mas condicionada), o consórcio irá instalar 30 MW de baterias (bastante menos que os 257 MW que constavam do primeiro desenho do projeto), num total de 24 contentores de 1,25 MW cada, e com uma capacidade total de armazenamento de 50 MWh.
À escala do sistema elétrico nacional, os 30 MW de baterias de Santiago do Cacém são uma capacidade relativamente reduzida para funcionar como garantia de segurança de abastecimento (desse ponto de vista serão mais úteis os 880 MW de capacidade de bombagem hídrica que a Iberdrola tem no complexo do Tâmega). Mas esse parque de baterias no Alentejo será, para a Prosolia e Iberdrola, uma aprendizagem, permitindo às duas empresas reservar uma pequena parte da eletricidade gerada na mega-central para entrega à rede em diferentes períodos do dia (ou da noite).
Embora sejam poucos os investimentos em baterias já no terreno no nosso mercado o tema começa a ganhar tração (a Galp está de olho no tema da inovação e recentemente investiu na norte-americana 6K). A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) tem em curso uma consulta pública sobre a revisão de uma série de regulamentos da eletricidade e no que incide sobre as redes inteligentes há um ponto específico para as instalações de armazenamento. Nesse ponto a ERSE propõe adaptar o regulamento das redes inteligentes de forma a prever as regras particulares aplicáveis à leitura das instalações de armazenamento. Um de muitos aspectos que Portugal terá de consolidar no plano regulamentar e legal para que as baterias ganhem o seu espaço no mercado.
A mesma ERSE agendou, aliás, para 13 de abril uma conferência sobre “descentralização e flexibilidade”, com um foco nos “mercados locais de energia”, tema que ganhará relevância à medida que se vão concretizando as largas dezenas de projetos de comunidades de energia que aguardam licença. Para que essa “descentralização” da produção e consumo de eletricidade se materialize será necessário ter geração renovável, inteligência na rede e, em alguns casos, sistemas de baterias que façam localmente os equilíbrios necessários para otimizar a distribuição de energia numa dada comunidade ou mercado local.
No mês passado a Comissão Europeia emitiu uma recomendação que incide precisamente sobre o armazenamento, notando que “o armazenamento de energia pode desempenhar um papel crucial na descarbonização do sistema energético, contribuindo para a sua integração e para a segurança do abastecimento”. Nesse documento, Bruxelas indica que os Estados-membros devem nos respetivos planos nacionais de energia e clima (Portugal está a rever o seu) identificar as necessidades de flexibilidade dos seus sistemas energéticos a curto, médio e longo prazo. E indica também que os países devem ponderar adotar procedimentos “competitivos” para contratar soluções de flexibilidade. É admitida a possibilidade de remunerar os sistemas de armazenamento com mecanismos de capacidade, ou seja, modelos em que determinados atores do sistema elétrico têm uma remuneração fixa, previsível, pela segurança que oferecem à rede elétrica: se um parque eólico pode ter uma queda súbita da sua produção, é preciso assegurar que alguma fonte de eletricidade está imediatamente disponível para injetar na rede, evitando apagões, e as baterias podem cumprir esse papel.
O leque de serviços que as baterias podem prestar ao sistema também abrangerá a situação inversa. Se numa dada hora as centrais solares ou os parques eólicos estiverem a produzir mais energia do que aquela que a rede consegue acomodar, das duas uma: ou essas centrais reduzem a sua produção imediatamente (desperdiçando o recurso natural à sua disposição) ou canalizam uma parte para as baterias (sem desperdiçar o recurso, e guardando a energia para injetarem na rede mais tarde, quando ela for de facto necessária… e mais valiosa).
Um estudo divulgado no mês passado pela Comissão Europeia, e liderado pelo instituto Fraunhofer, analisou a fundo o tema do armazenamento de energia na Europa, não só olhando para os desenvolvimentos dos últimos anos mas também abordando as perspetivas futuras. E uma das conclusões curiosas é que de uma amostra de oito países Portugal surge como aquele que em 2030 deverá ter uma maior amplitude média de preços no mercado diário de eletricidade. Segundo o documento, Portugal terá um “spread” de 25 a 28 euros por megawatt hora (MWh), quase o dobro do previsto, por exemplo, para a Finlândia, e também acima do estimado para a Alemanha. O que significa? Significará que a oportunidade de negócio para quem tenha baterias poderá ser especialmente interessante em Portugal, já que quanto maior for a diferença entre preços horários mínimos e máximos num mesmo dia maior a receita que os donos das baterias podem encaixar (ao vender a energia à rede nos períodos mais caros), rentabilizando o investimento feito.
É neste contexto que também no plano industrial vão surgindo projetos de grande escala que podem fazer de Portugal uma referência na Europa na cadeia de valor das baterias. Algumas das agendas de inovação que asseguraram fundos do PRR estão posicionadas nesta área, como é o caso da iniciativa “New Generation Storage”, que é liderada pela DST Solar e junta 31 empresas. A agenda da “Cadeia de Valor de Baterias”, liderada pela Galp, e com investimentos de 914 milhões de euros, só deverá firmar o seu contrato no segundo semestre, estando ainda dependente do aval de Bruxelas, como o Expresso conta esta quinta-feira.
Baterias a injetar na rede durante a noite a produção solar armazenada durante o dia? Carros a prestar serviços ao sistema elétrico? Esse pode parecer um cenário distante, mas a verdade é que a forte expansão da capacidade renovável na Península Ibérica vai enviando sinais cada vez mais frequentes de que o sistema elétrico vai mesmo precisar, mais cedo do que tarde, de capacidade de armazenamento. Esta quarta-feira Espanha alcançou um novo recorde de potência fotovoltaica em produção (14,9 gigawatts), e Portugal também também vindo a alcançar registos recorde na produção solar. O mercado ibérico já teve nos últimos dias várias horas de preço nulo, dada a abundância de renováveis a injetar na rede. Mas se os preços zero são aparentemente o paraíso para os consumidores ibéricos, também podem desincentivar os promotores a investir em mais capacidade… a menos que tenham ferramentas para aproveitar e valorizar economicamente os excedentes de energia de alguns períodos do dia. E aí as baterias podem ser um instrumento central para marcar o ritmo da transição verde.