A PRIMEIRA IMAGEM (*)
II
João Soares Tavares
Quando nos primórdios da década de oitenta do século passado iniciei o estudo investigativo sobre o corço (Capreolus capreolus L.), confirmei a sua presença nas serras que constituem o Parque Nacional da Peneda-Gerês (Gerês, Peneda, Soajo, Amarela); em serras do Barroso; nas serras da Coroa e Montesinho que integram o Parque Natural de Montesinho; nas serras da Nogueira, Cabreira, Marão e Bornes. O estudo resultou de uma observação directa e por consulta feita aos habitantes dos aldeamentos serranos.
A visualização de maior número de exemplares relativamente a anos anteriores, testemunhada pelos pastores, mormente nas serras do Gerês, Peneda, Amarela, Coroa e Montezinho, poderá ser explicada por diferentes factores que deverão ser analisados em conjunto: pelas acções desenvolvidas pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês e Parque Natural de Montesinho criados respectivamente em 1971 e em 1979; porque os princípios conservacionistas começaram a ser compreendidos pelos habitantes das serras; ou pela vinda de alguns exemplares do lado espanhol encontrando nas serras mencionadas melhores condições ambientais. Todavia, a ocorrência não é uniforme. O maior aumento assinalado verificou-se nas serras Amarela, Peneda e Gerês.
Não obstante a criação de uma lei em 1939 proibindo a sua caça por ser considerada uma espécie em vias de extinção, segundo conseguimos apurar por informação obtida em aldeias raianas, o corço continuou a ser alvo dos caçadores furtivos.
Conforme expus no texto anterior, o corço é um dos mais belos cervídeos que a Natureza nos oferece. As maravilhosas matas de folha caduca que ladeiam cursos de água onde o carvalho é abundante, constituem o habitat por excelência do corço, proporcionando-lhe tudo o que necessita: abrigo, alimento e segurança.
Observar o grácil cervídeo no seu habitat não é tarefa fácil. Além dos exemplares serem em número reduzido, dispersam-se por áreas geográficas muito vastas. Por outro lado, passa a maior parte do dia abrigado no mato e carvalhal rasteiro num perfeito mimetismo facultado pela cor da pelagem, onde a vista mais penetrante é incapaz de o distinguir da folhagem protectora. Ao pressentir a presença humana desaparece de imediato devido principalmente aos sentidos auditivo e olfactivo muito apurados e ninguém mais o consegue observar.
Ao fim da tarde e às primeiras horas do dia o corço afoita-se um pouco saindo à procura de alimento e de água. (Fig.1)
Numa manhã de Julho de 1980 em que o Sol ainda não se revelara, os meus olhos visualizaram a imagem do primeiro exemplar de corço que jamais esquecerei. Apenas breves segundos. Mesmo imóvel e camuflado num abrigo apropriado, o corço pressentiu a minha presença desaparecendo rapidamente.
A sua alimentação é tipicamente herbívora. Não tem caninos e os incisivos são inexistentes no maxilar superior.
Através da observação directa dos hábitos alimentares, exame da vegetação, e observação de rastos, constatámos que a sua alimentação se localiza no extrato arbustivo e herbáceo. (Fig. 2)
A silva e as folhas do morangueiro (nalgumas das serras citadas principalmente em zonas húmidas dos carvalhais existe o morangueiro bravo – Fragaria vesca L. ) são utilizadas como alimento ao longo do ano. Os rebentos tenros do carvalho, também são muito apreciados pelo corço, assim como os rebentos da giesta, da urze e a folha do centeio.
Manifesta apetência por frutos variados. Os morangos, as cerejas da cerdeira, ou cerejeira brava (Prunnus avium L.), as amoras na Primavera e Verão e as castanhas no Outono representam um suplemento alimentar do corço. A bolota do carvalho onde existe, é igualmente apreciada. No fim do Verão e no Outono utiliza ainda cogumelos na sua alimentação.
(Continua)
(*) Este texto jornalístico foi adaptado do estudo efectuado pelo signatário durante os anos oitenta do século passado, publicado na Revista NOESIS nº 12, Lisboa Novembro de 1989.
Às Direcções do Parque Nacional da Peneda-Gerês, do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação do Ambiente, e dos Serviços Florestais e Aquícolas, em actividade nos anos oitenta do século passado, manifesto o meu agradecimento pelas facilidades concedidas durante a pesquisa realizada.
(A reprodução do texto e fotografias que compõem este trabalho só é autorizada mencionando a origem.)
(João Soares Tavares escreve segundo o anterior acordo ortográfico)
LEGENDAS DAS FIGS:
Fig. 1 – Corço observado numa manhã de Verão
Fig. 2 – Corça alimentando-se das folhas de um arbusto