Em defesa da História – D. Afonso III e o Barroso – Nota especial sobre Ferral e Sidrós

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Dr. João Soares Tavares
Em defesa da História
  1.             AFONSO III e o BARROSO

João Soares Tavares

No calendário histórico de Barroso há duas datas marcantes para os barrosões recordarem: 9 de Junho e 3 de Janeiro. Naquele dia de 1273 D. Afonso III concedia foral a Montalegre e fundava o concelho. Relativamente à segunda data, no dia mencionado de 1543 despedia-se desta vida João Rodrigues Cabrilho, insigne navegador e autor natural de Lapela – Cabril, certamente o barrosão mais notável de sempre. Esta personalidade já foi devidamente evocada em diversas crónicas que escrevi neste e em outros jornais. Hoje dedico um texto ao referido rei.

D. Afonso III, por justificada razão histórica o pelourinho da vila deverá perpetuar as suas armas reais autênticas (Fig. 1)

Fig. 1 – Selo real de D. Afonso III preservado na Torre do Tombo, (IAN/TT).

– foi um dos principais pilares do povoamento de Barroso. Outorgou cartas de foral, cartas de foro, aforamentos e outros diplomas. A vertente povoadora do “Bolonhês” é manifestada por diferentes cronistas. Meio século após a sua morte, o neto conde D. Pedro escrevia na “Crónica Geral de Espanha de 1334”: “ E fez muytas pobraçõoes e levãtou muytos castelos e cercou muytas villas”. (1)

O distrito de Vila Real onde se localiza a maior parcela territorial da antiga Terra de Barroso, foi de todas as regiões de Portugal a mais contemplada por D. Afonso III. (Conforme expressei na crónica anterior: “A Terra de Barroso, o que foi e o que é”, apenas o pequeno concelho medieval de Vilar de Vacas e o Couto Misto permanecem fora do distrito de Vila Real.) O monarca outorgou 34 forais, e 86 aforamentos e cartas de foro. (Por curiosidade, no restante território do reino atribuiu um número inferior de forais. Apenas 30. Embora mais aforamentos e cartas de foro: 185.

Quero deixar bem vincado: no que diz respeito à região barrosã o rei D. Afonso III foi dentre todos o que aí promulgou mais diplomas.

Uma pergunta é legítima: Por que razão aquela região transmontana foi privilegiada por D. Afonso III com diplomas em número apreciável quando comparada com outras regiões do pais?

Além das preocupações óbvias em povoar o território de fronteira, houve, creio eu, também motivos sentimentais. Apresento a minha teoria: o preâmbulo do segundo casamento do rei com D. Beatriz filha de Afonso X de Castela poderá sugerir alguma luz ao assunto.

Vejamos: D. Afonso III teve um primeiro casamento em França onde vivia desde 1231 (data provável), num dia impreciso de Maio de 1239 (entre 13 e 23) com a condessa Matilde de Boulogne, viúva, vinte anos mais velha, dotada de uma fortuna considerável que lhe propiciou um bom pecúlio e o título de Conde de Boulogne.

Regressado a Portugal e a reinar desde 1248, contraiu segundo matrimónio com a referida D. Beatriz, ainda uma donzela de tenra idade. A história começa cerca de 15 de Março de 1253 com o rei a fazer os preparativos para uma viagem a Santo Estêvão de Chaves, local da reunião com o rei de Castela Afonso X a fim de celebrarem uns acordos e colocarem um ponto final nas contendas verificadas entre Portugal e Castela. Depois de percorrer a região vincada pela guerra durante anos, chegou a Santo Estêvão cerca de 20 de Maio. Para vincular o acordo, realizaram-se os esponsórios, datados precisamente desse dia, com D. Beatriz então apenas com 12 anos. O rei comemorou 43 anos em Maio desse ano. O casamento veio a consumar-se cinco anos mais tarde.

D. Afonso III não regressou aquela região nortenha. Porém, não a esqueceu. Tê-lo-á marcado a paisagem abandonada e inóspita, percorrida quando nessa Primavera de 1253 se dirigiu a Santo Estêvão de Chaves. Com efeito, fora uma região muito assolada pelas lutas com os reis de Leão e Castela. Refiro uma investida (entre outras) de Afonso IX de Leão que derrotou o exército de D. Afonso II ao longo da raia transmontana atacando Barroso, Santo Estêvão de Chaves, Montenegro, Vinhais, atingindo as Terras de Aguiar da Pena e Panóias. Na zona de Chaves o exército de Leão permaneceu até 1231. De salientar ainda a guerra civil no reinado de D. Sancho II. D. Afonso III decidiu remediar o mal sem mais demoras promovendo o povoamento na região. No dia 20 de Maio de 1253 ainda em Santo Estêvão de Chaves outorgou foral a Vinhais. As localidades onde estacionou durante o trajecto até Santo Estêvão foram lembradas: confirmou os forais de Bragança (1253), de Lamas de Orelhão (1259) de Murça (1268) e, outorgou foral a Santo Estêvão de Chaves (1258). (2)

Passemos agora à Terra de Barroso. Conforme se constata na documentação afonsina, os diplomas concernentes à região foram outorgados na totalidade após a referida viagem do rei, que indicia ser válida a teoria apresentada. Cito as cartas de foro, os aforamentos e outros diplomas referentes a: Viela (1255) Covelães, Fiães e Loivos (1257), Sidrós, (1258, 1262, 1264), Paradela, Mourilhe, Sezelhe, Travassos da Chã, Castanheira, Cervos, Ormeche, Penalonga, Beça, Canedo, Cepeda, Codeçoso de Canedo, Vilar de Porro, Seiróis (todos em 1258), Penedones (1262) Pereira (1268). (3) Finalmente, o foral de Montalegre (1273). (3)

De realçar ainda a criação em 1273 da feira mensal de Montalegre com a duração de três dias e início no dia 3 de cada mês instituída pelo mesmo monarca. (4)

NOTA EXPECIAL SOBRE FERRAL

Sem pretender excluir qualquer freguesia barrosã – todas têm o seu valor histórico –, hoje vou destacar Ferral, freguesia do Baixo Barroso e, em particular Sidrós aldeia pertencente aquela freguesia.

Segundo as Inquirições afonsinas de 1258, (as Inquirições anteriores não chegaram a Barroso) na colação de Santa Marinha são referenciados diversos casais habitados e algumas aldeias. Destas, chegaram até hoje incluídas na freguesia de FerraI: Nogueiró, Viveiro, Ferral e Sidrós, (Ver fig.2).

Fig. 2 – Um aspecto de Sidrós na actualidade, única aldeia da freguesia de Ferral que recebeu aforamentos de D. Afonso III. (Fotografia cedida pelo Doutor Manuel Afonso Machado a quem o signatário desta crónica agradece)

Todavia, Sidrós é a única aldeia da freguesia de Ferral que está relacionada com D. Afonso III, conforme se confirma na Chancelaria desse rei. Estando em Guimarães a 27 de Maio de 1258, concedeu nesse dia um aforamento em Sidrós a Martim Lopes e sua mulher Marinha Peres. (5) Notar: 15 anos antes da outorga do foral a Montalegre. O mesmo rei, a 22 de Abril de 1262 em Coimbra atribuiu um aforamento na mesma aldeia a Gonçalo Garcia e sua mulher Maria Anes. (6) Ainda na referida cidade conferiu outro aforamento em Sidrós a 20 de Novembro de 1264, ao primeiro casal aqui referido. (7)

Baseando-me na documentação citada da Chancelaria de D. Afonso III preservada na Torre do Tombo, posso afirmar que os primeiros habitantes referenciados de Sidrós e concludentemente do território que engloba a actual freguesia de Ferral, foram Martim Lopes e sua mulher Marinha Peres no dia 27 de Maio de 1258. Conforme já escrevi noutras circunstâncias, eles deverão ser reconhecidos como tal. Em 27 do mês de Maio do próximo ano, estarão transpostos precisamente 761 anos, um dia oportuno para a terra recordar a efeméride e, porque não, colocar uma placa alusiva naquela aldeia de Ferral. Aqui deixo com tempo de antecedência esta nota à consideração da Junta de Freguesia de Ferral. Gastando apenas um punhado de euros revitalizam a História da terra. Sabendo eu que é uma Junta preocupada com a Cultura e com a História recordo nomeadamente o apoio dado ao livro Freguesia de Ferral, Montalegre, dos autores barrosões Manuel Afonso Machado e José Miranda Alves, não deixará de analisar esta minha proposta.

NOTAS

(1) Crónica Geral de Espanha de 1344, Ed. de Luís Lindley Cintra, Lisboa, 1951-1990

(2) Chancelaria de D. Afonso III, Cartas de Foral, I.A.N./T.T.

(3) Idem, Cartas de Foral, I.A.N./T.T.

(4) Chancelaria de D. Afonso III, Livro I, f.110, I.A.N./T.T.

(5) Livro I de Doações de D. Afonso III, folhas 30 vº, IAN/TT

(6) Idem, folhas 60 vº, IAN/TT

(7) Idem, folhas 72 vº, IAN/TT

(João Soares Tavares escreve segundo o anterior acordo ortográfico)

 

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