João Rodrigues Cabrilho e Fernão de Magalhães
João Soares Tavares.
João Rodrigues Cabrilho e Fernão de Magalhães foram dois notáveis navegadores portugueses do século XVI. Empreenderam viagens arrojadas de descobrimento e conquista sob a bandeira do mesmo país – Espanha. Embora por razões diferentes ambos tiveram necessidade de emigrar. A Pátria foi avara para eles.
Cabrilho notabilizou-se nas conquistas do México e da Guatemala. Anos depois, escreveu em jeito de reportagem a primeira obra publicada no Novo Mundo. (Fig.1) Considero-o precursor do jornalismo na América. Para culminar um percurso admirável, a 28 de Setembro de 1542 – completam-se a 28 de Setembro deste ano 479 anos –, iniciou a descoberta da Costa da Califórnia. (Fig. 2)
São assuntos analisados neste jornal e nos livros que dediquei ao navegador. Desnecessário pormenorizá-los na presente crónica.
Porém, seria displicente deixar passar a data e não recordar esse compatriota tão marginalizado.
Os feitos de Magalhães são na generalidade conhecidos. Contudo, considero um dever reavivar o feito maior deste compatriota no mês que há 502 anos, em 20 de Setembro de 1519, iniciava a primeira viagem marítima de circum-navegação (1519-22), embora o objectivo do navegador fosse atingir as “Especiarias” (Molucas) rumando a Ocidente. A esquadra de Magalhães zarpou de Sanlucar de Barrameda um porto do sul de Espanha. Era formada por cinco navios com 265 tripulantes dos quais pelo menos 49 portugueses.
Alguns ocuparam lugares de chefia. Os navios Trinidad, Concepción, Santiago e Victoria foram pilotados respectivamente pelos portugueses Estêvão Gomes, João Lopes de Carvalho, João Rodrigues Serrano, e Vasco Gomes Galego. Apenas o San Antonio levava um piloto não português.
À semelhança da frota de Cabrilho, também na armada de Magalhães tremulava a bandeira de Castela. Uma afronta… na época dos descobrimentos. D. Manuel chegou a enviar a Sevilha um verdugo para apertar o gorgomilo ao navegador se não conseguisse convence-lo com bons modos a renunciar à empresa.
Teve um santo protector porque quando o executor chegou já Magalhães descia o rio Guadalquivir em direcção a Sanlucar de Barrameda para dias depois se fazer ao Mar Oceano. O santo protector e as qualidades do navegador facultaram-lhe descobrir a tão ambicionada passagem entre o Atlântico e o Pacífico que a História imortalizou com o seu nome (Fig. 3).
Se D. Manuel manifestava pouco apresso por Magalhães, com a sua morte ignorou-o. Os louros espanhóis da viagem foram para o basco Sebastián Elcano quando regressou mais 17 sobreviventes
em 6 de Setembro de 1522 no esboroado Victoria ao porto de partida. Ignorado ficaria aos olhos do Mundo não fora o diário escrito por Antonio Pigafetta um dos sobreviventes, que descreveu os pormenores da viagem.
O original foi oferecido em 1524 a Dona Luísa de Saboia, rainha de França. Porém, a primeira impressão da obra de Pigafetta (Ver figura 4), ocorreu em Paris entre 1526 e 1536. (…) foi traduzida de uma cópia manuscrita em italiano dedicada ao Grã Mestre de Rhodes. (1)
Finalmente, em 2019-22, cinco séculos depois da primeira viagem marítima de circum-navegação, Portugal presta a Magalhães a merecida homenagem.
Cabrilho no comando de três navios iniciou a viagem de descobrimento da Costa da Califórnia em Navidad, porto mexicano do Pacífico, a 27 de Junho de 1542. No dia 28 de Setembro desse ano, descobria o porto de San Diego que denominou San Miguel.
Começava aí o descobrimento da referida costa. Também a viagem de Cabrilho não é conhecida pelo diário de bordo presumivelmente escrito pelo comandante. Nunca foi encontrado. A narração mais completa chegada até à actualidade encontra-se no Archivo
General de Indias em Sevilha com a primeira página parcialmente rasgada. É a Relación del descubrimiento que hizo Juan Rodriguez navegando por la contra costa del Mar del Sul al norte, hecha por Juan Paez.
(Fig. 5) Impossível precisar se foi escrita por um participante na viagem. Não é de excluir ser da autoria do cronista mayor Juan Paéz de Castro, que viveu durante o reinado de Carlos V. A primeira edição da obra verificou-se apenas em 1857 por Buckingham Smith. (2) Foram impressos 500 exemplares.
Magalhães e Cabrilho não regressaram ao porto de partida. Ambos morreram no Pacífico. Duas dezenas de anos separam as suas mortes. Do primeiro, relativamente às hipóteses conhecidas, há uma que alvitra ter servido de repasto aos seus carrascos da ilha Mactan, uma das Filipinas. Quanto ao segundo, a ilha de São Miguel não muito distante da costa da Califórnia crê-se ser a sua última morada.
Das várias localidades que disputam a naturalidade de Fernão de Magalhães , uma, a vila de Sabrosa, partiu à frente. Durante anos, prestigiados historiadores admitiram estar aí o seu berço natal.
Entretanto, a descoberta de diversos documentos sobre a família e vida do navegador, Ponte da Barca parece reunir trunfos para lhe passar à frente. Difícil encontrar um consenso. Todavia, a autarquia de Sabrosa tem estabelecido correspondência privilegiada com as Filipinas , Chile , Argentina, Brasil, territórios em que a frota aportou durante a viagem. Tais relações permitiram um relacionamento cultural com esses países e projetar mundialmente o concelho.
As entidades representativas do concelho de Montalegre de onde Cabrilho é natural, não revelaram até ao momento interesse para explorarem uma vertente semelhante, nomeadamente na criação de uma sala-museu na vila barrosã ou estabelecerem um intercâmbio cultural entre a região e a Califórnia, estado onde o navegador tem honras de herói.
O preito a João Rodrigues Cabrilho que o país lhe deve vai tardando. Este desinteresse a diferentes níveis tem incentivado Espanha a fazer tentativas de deslocar a sua naturalidade para uma ou outra localidade daquele país ibérico.
O estado da Califórnia, em particular a cidade de San Diego que dedicou ao navegador um museu histórico, comemora a 28 de Setembro à semelhança de anos anteriores com pompa a descoberta da Costa da Califórnia pelo nosso compatriota. Para quando a homenagem que paulatinamente Portugal vai adiando?
NOTAS:
(1) Tavares, João Soares, Histórias de Vidas, Lisboa, 2015,
transcrito de The Beinecke Rare Book and Manuscript Library,
Yale University
(2) Colección de vários documentos para la Historia de la Florida y tierras adjacentes, Madrid, 1857 João Soares Tavares escreve de acordo com a anterior ortografia
(In Suplemento Cultura do Diário do Minho)