Ponte da Misarela, sobre o rio Rabagão, Montalegre. “Um fidalgo duriense (há quem diga um criminoso) fugia desalmadamente aos beleguins do rei que injustamente o perseguiam e acusavam de traições. Quando chegou à Misarela o rio Rabagão ia de monte a monte, medonhamente tempestuoso pelas chuvadas invernais. Vendo-se acossado e sem poder passar a corrente pediu a intervenção divina e de todos os santos que conhecia. Em vão. Não conseguia prosseguir a fuga. Lembrou-se então de invocar o poder do diabo em gritos desesperados: – Satanás! Satanás! Passa-me que te dou a alma! E o diabo, aparecendo num estarrinco do trovão, respondeu: – Passarás, passarás, sem olhar para trás! No mesmo instante estendeu-se à sua frente uma ponte que o fidalgo (ou criminoso) atravessou. Mal pôs o pé na encosta fronteira, atrás de si, a ponte ruía com enormíssimo estrondo no abismo vertiginoso. E assim fugiu à ira do monarca o tal fidalgo (ou criminoso) que decidira exilar-se em Barroso. Por aí viveu muitos anos ainda, mas sempre roído de remorsos e angústias por ter dado a alma ao diabo. Quando chegou a hora da morte mandou chamar o padre para se confessar. E contou-lhe o seu pecado. O padre absolveu-o, depois de exigir que confessasse toda a verdade e pensou que talvez fosse possível refazer a ponte sem grandes sacrifícios. Tomou a caldeirinha da água benta e o hissope (há quem diga que foi uma laranja onde meteu água benta depois de lhe tirar do interior os favos por um orifício) e dirigiu-se uma noite ao local indicado pelo moribundo, invocando o diabo: – Satanás! Satanás! Passa-me que te dou a alma! E repetiu-se a cena: o diabo (ao ribombar o trovão) apareceu e respondeu-lhe: – Passarás, passarás, sem olhar para trás! Num ápice reaparece entre dois penedos enormes da ponte. O padre começou a atravessar aspergindo água benta sobre a construção! (Também se diz que largou a laranja a rolar pela ponte! Eduardo Noronha, na sua obra “A Marquesa de Chaves” diz que o padre aspergiu água benta da caldeirinha com um ramo de alecrim). E assim ficou benzida a ponte! Nesse mesmo instante o diabo desapareceu como aparecera deixando no ar fortíssimo cheiro a enxofre, pez e incenso (Noronha diz enxofre e salitre)… mas a ponte ficou de pé. Por isso há quem lhe chame Ponte do Diabo e Ponte do Salvador, mas para o nosso povo é a Ponte de Misarela, lugar mítico, mágico e sagrado.[1]”
F.R.I.L.E.L. ( 1780 p. 56 – 60). Adágios, Provérbios, Rifãos e Anexins da Língua Portuguesa, 1ª ed. Lisboa: Tipografia Rollandiana.
Noronha, E., (1922). A Marquesa de Chaves. Publicado no Porto, Livraria Civilização.