Bom dia,
Há alguma semelhança entre quem vem do bairro e quem vem da aldeia. Os mundos são opostos, mas a falta de privilégio é, quase sempre, muito semelhante. Sou de uma aldeia lá bem do meio do Alentejo, a que muitos chamam “Alentejo profundo”. Tudo errado na expressão “Alentejo profundo”, porque significa que não se chega lá com facilidade – e é mentira. Tudo certo na expressão, porque o Alentejo profundo está afastado dos centros de decisão.
O Alentejo foi notícia este domingo, porque o PCP perdeu o deputado a sul do Sado que ainda lhe restava e entregou-o aos populistas de extrema-direita. Mas raramente é notícia. Raramente é notado. Não será também isso que as eleições de domingo disseram a políticos e jornalistas? (Parêntesis para notar que o voto é muito mais complexo para se assumir que foi para se fazer ouvir, desinformado ou instrumentalizado. Não foi. Foi também reflexo de parte de uma sociedade que não partilha os mesmos valores, mas desses não me quero ocupar aqui).
Este Curto tem como título parte da letra de “Chelas”, de Sara Correia. É ela que nos fala do preconceito com que as pessoas dos bairros pobres são olhados. Com condescendência, com distância, muitas vezes com desconhecimento propositado. À parte as grandes diferenças, há muitas semelhanças em como parte da elite política olha para o país, sejam os bairros pobres de Lisboa e Porto, sejam as aldeias perdidas nas serras e nas planícies. São poucas vezes notados.
“Não fales da pobreza, da noite escura”, canta a Sara. Falemos, sobretudo nestes 50 anos do 25 de Abril, de pobreza e da noite escura. Só falando podemos sair de ambas.
O país não é uma extensa urbe que começa no Tejo, acaba no Douro e se estende só pelo litoral. As eleições de domingo mostram-nos (também) isso: que quem conta as estrelas das janelas dos prédios de todas as cores e das casas mais baixas das aldeias mais pequenas deve estar no centro da política. Tenha votado não importa em que partido ou não tenha votado de todo.
O país deve ser olhado como um todo – e o eleitor, já agora, deve ter na ponta da caneta um voto informado. Protestar no voto, como muitos fizeram, é a forma mais perigosa de se manifestar. O terreno desinformado é mato para a propagação de mensagens com soluções fáceis para problemas complexos (além, obviamente, do acicatar de ódios). Só com informação, coesão, sentimento de pertença se poderá dar a volta ao populismo que engana, se entranha e se aproveita. Como? Não há soluções mágicas como se comprova na Europa, onde há de tudo, como nos explica o Pedro Cordeiro neste artigo que vale muito a pena.
O que temos visto no pós-eleições? Tática política com os partidos a posicionarem-se em relação aos outros para com isso ganharem argumentos para umas futuras eleições, incluindo aquele que se diz diferente e (também) por isso conseguiu mais de um milhão de votos. Na AD, a estratégia é governar medida a medida e pôr o ónus da “responsabilidade” no PS e no Chega. No PS, é a contrária. Os socialistas preparam a oposição, com chumbo a orçamentos e moções de confiança, como assumido por Pedro Nuno Santos.
Ontem, começou o desfile de partidos no Palácio de Belém com o PAN a criticar a pressa de Marcelo Rebelo de Sousa e Inês Sousa Real a assumir divergências em relação à AD.
Esta quarta-feira será a vez do Livre. Rui Tavares tem sido defensor que o Presidente deveria dar uma hipótese à esquerda, porque esta tem mais deputados do que a direita democrática, mas a hipótese foi recusada pelo secretário-geral do PS que se remeteu para a “oposição”, apesar de ainda não serem conhecidos os resultados da emigração. Aliás, tal como no país, houve um acréscimo de votantes além fronteiras, votos que podem desempatar entre PS e PSD, mas em que os socialistas não depositam muitas esperanças. Acreditam, até, que Santos Silva pode não ser eleito.
A pressa de muitos dos intervenientes é notória, além de Pedro Nuno a assumir a derrota e de Marcelo a querer despachar as audiências, Mariana Mortágua apressou-se a tomar a dianteira na oposição e pediu reuniões a todos os partidos da esquerda (e ao PAN) para analisarem os resultados das eleições e discutirem “convergências” e uma “alternativa” de futuro.
O mundo da política portuguesa conta ainda esta quarta-feira com uma reunião do comité central do PCP, para analisar os resultados das eleições e com a comissão permanente da Assembleia da República a reunir-se para debater o Conselho Europeu.
Fonte: Liliana Valente – Coordenadora de politica do Expresso
!3/04/2024