O CORÇO DO “GERÊS” V I (*)
João Soares Tavares
(Continuação)
Em Portugal os mais directos predadores do corço são o lobo e os cães que se encontram espalhados pelas serras, alguns vivendo em estado selvagem. A águia real (Aquila chrysaetus), também um predador natural, apresenta-se nas áreas de distribuição do corço
em número pouco significativo. Na serra do Gerês somente conseguimos observar as fragas alcantiladas onde em anos anteriores nidificou a águia real. Incompreensivelmente perseguida pelo homem, esta ave encontra-se no nosso país em perigo de extinção. À águia real vou dedicar um artigo exclusivo a publicar oportunamente.
Quando perseguido pelo lobo, o corço procura escapar-se o mais rapidamente que pode correndo e saltando com incrível agilidade.
Os membros compridos e finos, sendo os posteriores mais alongados do que os anteriores, permitem-lhe saltar agilmente sobre diferentes obstáculos que se lhe deparem durante a fuga. O salto de um corço adulto pode atingir aproximadamente nove metros. Se não consegue ludibriar o perseguidor, esgueira-se por entre fragas estreitas onde só ele é capaz de passar e muitas vezes engana o astuto lobo que terá de renunciar à perseguição.
A raposa é considerada um predador atacando preferencialmente as crias. O mesmo se passa em relação ao javali e ao gato bravo.
A mãe mantém-se junto da jovem cria durante as primeiras semanas de vida.
(Fig.1) Não raras vezes a corça faz frente à raposa e ao gato bravo. Quando estes carnívoros procuram atacar
as crias, defende-se à dentada ou utiliza os cascos pontiagudos obrigando geralmente o intruso a fugir. Tratando-se do lobo e sabendo que não tem possibilidade de defesa, foge com as crias nos dentes procurando um abrigo entre as rochas onde os lobos não podem entrar devido à sua maior corpulência, processo que os mais antigos habitantes das serranias designam de “enfragar”.
Todavia, desde que não se manifeste a mão destruidora do Homem, que tem alterado profundamente a fauna e a flora, o
Fig. 2 – Cabeça de um belo exemplar de lobo
equilíbrio ecológico é mantido. Vem a propósito referir uma notícia que em ano passado li sobre o abate de um lobo no Parque Nacional da Peneda-Gerês onde a caça é proibida: «… encontrado com uma acumulação de chumbos na zona lombar, um tiro no crânio e mordeduras de pelo menos dois cães». (…) A necropsia permitiu perceber que o lobo "foi atacado por cães antes e depois de morrer" e que terá sido alvo de pauladas, porque "parte do crânio estava destruído". O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) apresentou hoje uma queixa-crime contra
desconhecidos pela recente morte de um lobo-ibérico fêmea seguido com colar GPS no Parque Nacional da Peneda-Gerês.».
Segundo creio o prevaricador nunca foi encontrado. Conforme informei, o estudo realizado sobre o corço ocorreu nos anos oitenta do século passado. Nesse tempo, o número de exemplares observados nas serras raianas do Norte não foi significativo. Relativamente ao complexo montanhoso Peneda-Larouco onde está implantado o Parque Nacional da Peneda-Gerês criado em 8 de Maio de 1971, podemos hoje garantir sustentado em bases fidedignas, nessa região o corço encontra-se em expansão nos últimos anos. Vem a propósito uma informação recente do meu amigo Doutor Manuel Afonso Machado, bom conhecedor da serra do Gerês e arredores, que se por um lado tem interesse, por outro é
condenável. Contou-me: “Os corços já chegaram a Vila Nova.
Apareceu lá uma corça com uma cria. A corça morreu depois de embater numa rede e alguém caçou a filha de meses. Andavam às vezes a pastar no meio do nosso gado junto á aldeia.” Concluiu, reprovando quem cobardemente sentenciou o destino da cria, a cuja reprovação eu me associo.
Torna-se imperioso que o Homem se mentalize não ser o senhor da Natureza e ponha termo a fogos, caça furtiva e a cortes desordenados de florestas, porque só assim, o corço e as outras espécies, sem excluir obviamente os seus predadores naturais como o lobo, (Fig.2) se poderão desenvolver em liberdade e em perfeita harmonia nos maravilhosos bosques das nossas serras.
Não obstante a publicação da Lei de 1939, que proibiu a sua caça, o corço continuou a ser alvo dos caçadores furtivos motivando o quase desaparecimento nas serras nortenhas. Embora não possuindo uma confirmação científica, crê-se, que um reduzido número de exemplares se refugiou na serra do Gerês, por muitos considerada o seu habitat privilegiado, tendo conseguido sobreviver. Com o título, O Corço do “Gerês”, pretendi evocar a serra que o terá salvo do extermínio.
Este é o 6º e último artigo de uma panorâmica não exaustiva sobre o cervídeo mais gracioso da nossa fauna, que permitiu ao meu estimado leitor ficar com uma ideia do Capreolus capreolus L.
Oportunamente: A última águia real da serra do Gerês
(*) Este texto jornalístico foi adaptado do estudo realizado pelo signatário durante os anos oitenta do século passado, publicado na Revista NOESIS nº 12, Lisboa Novembro de 1989.
Às Direcções do Parque Nacional da Peneda-Gerês, do Serviço Nacional de Parques de reservas e Conservação do Ambiente, e dos Serviços Florestais e Aquícolas, em actividade nos anos oitenta do século passado, manifesto o meu agradecimento pelas facilidades concedidas durante a pesquisa realizada.
(João Soares Tavares escreve segundo o anterior acordo
ortográfico)