A batalha de S. Mamede e a fundação da nacionalidade

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Castelo de Guimarães

A BATALHA DE S. MAMEDE E A FUNDAÇÃO DA NACIONALIDADE

A batalha de S. Mamede é considerada pela generalidade da historiografia como o primeiro ato da Fundação de Portugal, de tal modo que a derrota do infante Afonso Henriques representaria a perda, sem remissão, da causa nacional. Questão muito debatida, nos últimos anos, tem sido a determinação do local do recontro. A Crónica dos Godos, documento dos fins do séc. XII, princípios do séc. XIII, dá-nos a notícia da data e local da batalha, nos seguintes termos: “Era de 1166 (1128 da era cristã): no mês de junho, festa de S. João Baptista, o ínclito infante Afonso, f ilho do conde Henrique e da rainha dona
Teresa (…) travou com eles (…) indignos e estrangeiros da nação combate no campo de S. Mamede, próximo do Castelo de Guimarães, venceu-os e prendeu-os na sua fuga”. “Era de 1166 (1128 da era cristã): no mês de junho, festa de S. João Baptista, o ínclito infante Afonso, filho do conde Henrique e da rainha dona Teresa (…) travou com eles (…) indignos e estrangeiros da nação combate no campo de S. Mamede, próximo do Castelo de Guimarães, venceu-os e prendeu-os na sua fuga”. A primeira edição do Testamento da Gata é de 1898. Daqui resulta que a batalha ocorreu no dia 24 de junho de 1128, próximo
do castelo de Guimarães (prope castellum de Vimaranes). Uma tradição popular aceita como boa esta localização, derivava do facto de se traduzir a expressão “prope castellum”, por “junto do castelo”, quando a tradução mais correta é “perto ou próximo do castelo”. Portanto, com um significado relativo de espaço e, deste modo, permitindo considerar uma distância mais ou menos alargada, relativamente ao castelo. Outro erro desta corrente de opinião é considerar a batalha como um fenómeno estático, que permitiria um cerco às tropas de D. Afonso Henriques, levando-o à rendição. Foi o que aconteceu com o cerco a Guimarães, em 1127, posto pelo seu primo Afonso VII de Leão e Castela. Outros dois lugares surgiram posteriormente: o campo de Ataca e Sam Redanhas. O Campo de Ataca, situado no limite sul de S. Torcato com S. Mamede de Aldão, foi o local proposto pelo historiador militar, o general Luís da Câmara Pina, atraído, certamente, pelo facto de existir no local a veneração a S. Mamede. Este historiador militar, no seu estudo, acrescenta, no entanto, que o campo de Ataca, pelas suas exíguas dimensões, não é lugar defensável, colocando, por isso, a batalha na planície de S. Torcato (cf. O 830.o Aniversário da Batalha de S. Mamede – Subsídios para a sua História Militar). Numa vinda a Guimarães, a convite de alguns vimaranenses, que desejavam ver esclarecida tal questão, o historiador José Hermano Saraiva defendeu o lugar de S. Redanhas como local da batalha. S. Redanhas, como local da batalha de S. Mamede, já aparece referido na Crónica de D. Afonso Henriques, de Duarte Galvão (1446-1517). As tropas de ambos os lados, diz Duarte Galvão, “vieram-se juntar em Guimarães em um lugar a que chamam de Santidanhas” (ou Santilhanas, na crónica impressa). Por sua vez, Fernão Lopes, na crónica de D. João I, ao descrever a tomada de Guimarães, identifica melhor o local, ao dizer que, “Saõ Redanhas”, fica a meia légua (2,5km) de distância de Guimarães. Convém recordar que Fernão Lopes, por vezes, apelidado de pai da História de Portugal, é conhecido pelo rigor histórico que impôs às suas investigações na procura da verdade, percorrendo a província, na busca de informação para os seus escritos. Isto para concluir que não ia inventar o lugar de S. Redanhas se ele não existisse. Castelhanismo com o signif icado de “ato de bravura, feito corajoso” e que estará ligado ao início da batalha de S. Mamede, “junto à ponte do Rio Selho, a meia légua curta da cidade” (cf. História Concisa de Portugal, pág 46). Então qual é a hipótese mais verosímil? Quando as fontes documentais escasseiam, como acontece no caso vertente, o investigador terá de socorrer-se das fontes narrativas, se as houver. Tenho vindo a defender que, no caso em análise, existem fontes narrativas que permitem a compreensão da questão (local da batalha) por intermédio do encadeamento rigoroso dos factos essenciais que nos levam a uma outra solução, bem mais verosímil (cf. do Autor – A Batalha de S.Mamede – 2015). Esses textos narrativos constituem prova indireta, pois, assentam em dados circunstanciais que, conjugados, levam à convicção da ocorrência do facto ou factos que se investigam. Vejamos. Uma batalha medieval não pode ser colocada num ponto fixo, como o fazem os defensores das três hipóteses acima referidas, nem encarada de um modo estático.
Antes deve ser analisada como uma atividade dinâmica, conforme a estratégia escolhida. As vitórias nas batalhas, até de exércitos menos numerosos, dependiam da superioridade técnica, do exército mais bem comandado e constituído por soldados de maior valor militar. Sabemos que os ensinamentos dos escritores militares, gregos e latinos, sobre as técnicas de guerra não eram desconhecidas dos militares da idade média em que de uma posição defensiva se passava rapidamente a uma batalha ofensiva (ou vice-versa), com a expulsão do inimigo das posições que ocupava, desorganizando o seu dispositivo e perseguindo-o para obstar à sua reorganização. Cultura QUARTA-FEIRA, 26 de junho de 2024 P. V Diário
do Minho A Batalha de S. Mamede e a Fundação da Nacionalidade Assim, aceitamos como mais verosímil a tese de que o primeiro recontro das tropas de ambos os lados ocorreu em S. Redanhas. Importante é chamar aqui à colação a opinião do historiador José Mattoso acerca do caminho percorrido pelas tropas fiéis a D Teresa: “as tropas de Fernão Peres e os cavaleiros fiéis a D. Teresa vindos, sem dúvida, das regiões de Coimbra e Viseu, atravessaram o Douro e dirigiram-se a Guimarães, onde Afonso Henriques devia então estar e a batalha campal deu-se, portanto, perto do seu castelo”(cf. Reis de Portugal
– D. Afonso Henriques – pag. 63 –Temas e Dbates). Daí que a entrada das tropas leais a D. Teresa se fizesse pela estrada romano-medieval da Veiga de Creixomil (conhecida por estrada real) e o 1o recontro terá ocorrido na zona do lugar de Reboto, situado a cerca de 2,5km de Guimarães, aliás, como refere Fernão Lopes. O rio Selho, no local, é chamado Reboto, porquanto a tradição afirma ser o local onde a água ficou turbada de sangue proveniente dos soldados caídos em combate. O palavra Reboto significa
“perda de energia, perder o gume (instrumento cortante), derrota. Afigurasse-me que a razão pela qual a palavra S. Redanhas não é conhecida como topónimo do local deve-se ao facto de o termo ter um sentido mais de qualificação do facto do que topónimo, respeitante a toda a zona onde ocorreu esse primeiro recontro, tendo em conta as movimentações das tropas comandadas por D. Afonso Henriques e as fiéis a D. Teresa. Este primeiro recontro, em S. Redanhas, não invalida a tese que defende o campo de S. Mamede, junto à colina do castelo, como lugar culminante da batalha, já que era ali que o jovem militar,
Afonso Henriques, tinha o mais seguro reduto de defesa – o castelo. Inicialmente, não correndo bem a batalha a D. Afonso Henriques, este terá sido obrigado a recuar para junto do castelo. A ser assim, como se pensa que é, até faz sentido a narrativa da “Crónica do Cinco Reis” ao afiançar que num primeiro
momento D. Afonso Henriques teria sido derrotado e quando se retirava do campo de batalha, indo a uma légua de Guimarães, encontrou Egaz Moniz que lhe diz: “tornai e eu convosco e prenderemos vosso padrasto e vossa madre”. “E então se tornaram à batalha e a venceram”. Duarte Galvão, na Crónica de D. Afonso Henriques, adota quase literalmente a mesma posição relativamente à derrota no 1.º recontro. Esta foi também a versão aceite por Camões, vertida no Canto VIII, estância 13.a dos Lusíadas, nos seguintes termos: “Este que vez olhar, com gesto irado, Para o rompido aluno mal sofrido, Dizendo-lhe que o
exército espalhado Recolha, e torne ao campo, defendido; Torna o moço, do velho acompanhado, Que de vencedor o torna de vencido: Egaz Moniz se chama o forte velho Para leais vassalos claro espelho”.
Assim, dentro de um raciocínio lógico, é de concluir que o primeiro recontro terá ocorrido na zona do lugar de Reboto, situado nos limites da freguesia de Creixomil e culminou com a derrota do exército galego nas imediações do castelo para onde D. Afonso Henriques teria recuado, por questões de estratégia militar, seguindo-se a fuga desordenada do exército galego e a sua captura, conforme referido na Crónica dos Godos: D. Afonso Henriques “prendeu-os na sua fuga”. E preenchendo a lacuna da Crónica dos Godos, quanto à omissão relativamente ao local em que as tropas galegas foram capturadas, concluímos
ter sido no campo de Ataca, da freguesia de S. Torcato, ou mais genericamente, na veiga de S. Torcato. O topónimo “Ataca”, como termo militar, significa “progredir sobre o inimigo com o fim de o destruir ou capturar (cf. Dicionário L. Port. – da Porto Editora). Por sua vez, o Dicionário Universal Integral da Língua Portuguesa (Texto Editores), com novos vocábulos, antropónimos e estrangeirismos, regista a palavra ATACA, com o significado de “atacador” e a palavra “atacador” com o significado de “cordão com que se aperta uma peça de vestuário”. Ora, estes significados são os que mais se aproximam do sentido literal de captura das tropas galegas, expressamente referida na Crónica dos Godos: D. Afonso Henriques “prendeu-os na sua fuga”. De todo o exposto, resulta que a batalha de S. Mamede, de acordo com os textos narrativos citados e a toponímia local, terá ocorrido, nas suas três fases, ou seja, no triângulo formado pela veiga de S. Redanhas (início da batalha), campo de S. Mamede junto ao castelo (derrota das tropas inimigas) Ataca (captura das tropas inimigas). Por definição constitucional, o Presidente República (PR) representa a República Portuguesa, é garante da independência nacional e da unidade do Estado e é, por inerência, o Comandante Supremo das Forças Armadas (art. 120). Nesta perspectiva, o PR devia presidir às cerimónias do 24 de junho, em Guimarães, no cumprimento da mais importante função de Estado.
Narciso Machado (In Suplemento Cultura do Diário do Minho)

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