AFINAL QUEM DESCOBRIU A AMÉRICA? (Parte V)

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AFINAL QUEM DESCOBRIU A AMÉRICA? (Parte V)

Dr. João Soares Tavares

O ano de 1474 veio quebrar a monotonia em que se encontravam as viagens portugueses para Ocidente conforme documentámos no artigo anterior. A 25 de Junho de 1474, é enviada uma carta náutica elaborada pelo geógrafo florentino Paolo Toscanelli a pedido do rei português, que ficaria conhecida na História por “Carta de Toscanelli”. No dia referido, Toscanelli forneceu uma carta náutica ao cónego Fernão Martins de Roriz, na qual expunha o caminho mais curto para chegar à Índia, que seria na sua opinião, de Leste para Oeste atravessando o Atlântico com escala na Ilha das Sete Cidades. Houve quem tivesse posto em dúvida a autenticidade desta carta. Mas, depois dos trabalhos de alguns historiadores, nomeadamente de Altolaguirre y Duval, e de Uzielli, a carta foi reconhecida como autêntica, e preservada  como  documento de referência. Outra data importante do mesmo ano é  31 de Agosto: o Infante D. João ficou responsável pela política atlântica.

Fig. 1 – D. João II. (Reprodução de uma pág. do “Livro dos Copos da Ordem de Santiago”,1484). (IAN/TT, Lisboa)

Estes factos, a juntar à “febre da navegação como doença crónica nacional”, terão incentivado uma nova expedição em direcção ao Ocidente.

Realmente, a partir de 1474, o infante D. João futuro rei D. João II, com apenas 19 anos “foi posto à testa da expansão ultramarina”. Apesar da pouca idade, veio a provar que estava à altura da missão. A ele, aos conselheiros que soube escolher e, obviamente, aos cartógrafos e navegadores, deve-se a continuação e o desenvolvimento da empresa dos Descobrimentos, que, após a morte do Infante D. Henrique em 1460 estava em letargia. Uma carta régia confirma que deu “muito boa ordem à navegação destes trautos e os governa mui bem”. (1)

Naquele ano de 1474  Fernão Teles pretendeu descobrir ilhas “nas partes do mar oceano” ( Atlântico) e, terá feito as primeiras diligências com esse propósito.

Existem na Torre do Tombo dois documentos comprovativos de doação régia a Fernão Teles. No primeiro documento, datado de 10 de Janeiro de 1475, D. Afonso V concede a Fernão Teles “que indo ele ou mandando seus navios ou homens nas partes do mar oceano ou alguém que per seu mandado a isso vá, lhe fazemos mercê e pura e irrevogável doação pera todo o sempre… de quaisquer ilha que achar ou aquele a que ele as mandar buscar novamente e escolher pera as haver de mandar povoar, não sendo porém as tais ilhas nas partes da Guiné. (2)

Com a expressão “não sendo porém as tais ilhas nas partes da Guiné”, confirma-se que a viagem seria para Ocidente e não para a costa africana. A carta é semelhante às cartas anteriores outorgadas por D. Afonso V com objectivos idênticos. Neste caso, o rei expressa a doação nos seguintes termos: “…que de serem achadas podiam vir grandes benefícios aos meus reinos”.  (3)

Quem foi Fernão Teles?

Ao contrário de outros navegadores dos quais apenas se conhece o nome, de Fernão Teles conhece-se algo mais. Pertencia a uma das mais ricas e conceituadas famílias do reino. Assim como o pai e o irmão, Teles, era um importante armador de Lagos. Fidalgo da casa do Infante D. Fernando e membro do conselho do rei foi também governador da casa da esposa de D. João e, ainda governava a cidade de Lagos, então o grande centro do comércio marítimo português. Dotado de um espírito empreendedor e activo, seria a pessoa indicada para por em prática a empresa.

Teles, consegue obter do rei um alargamento da concessão anterior, conforme se constata noutro documento de 10 de Novembro de 1475. O rei acrescenta: “nom declara de ilhas despovoadas, e que o dito Fernão Teles por si ou per outrem mande povoar, e poderia ser que, em ele as assi mandando buscar, seus navios ou gente achariam as Sete Cidades ou algumas outras ilhas povoadas… declaro per esta minha carta que a minha tenção foi, logo ao tempo que lhas assim dei, de assi se entender a dita mercê a ilhas povoadas como não povoadas”. (4) Verifica-se neste segundo documento a preocupação de descobrir as ” Sete Cidades”. (4)

Devemos salientar que as “Sete Cidades” em 1475, e, em particular na interpretação do referido documento régio, já não possui a mesma acepção fantasista que possuía nos primeiros anos de quatrocentos. As viagens dos portugueses para Ocidente realizadas em anos subsequentes ─ anteriores à primeira viagem de Colombo ─ mesmo atendendo aos escassos documentos que chegaram até hoje, vieram confirmar a existência de terras “Além-Atlântico” já admitidas pelos portugueses.

Outro aspecto curioso do mesmo documento é a concessão feita pelo rei a Fernão Teles das “… ilhas que chamam as  Foreiras,  (Flores e Corvo) que pouco há acharam Diogo de Teive e João de Teive seu filho, ( Fig. 2) e ele dito Fernão  Teles ora teve por um contrato que fez com João de Teive, filho do dito Diogo de Teive (…) a quem ficaram por morte do dito seu pai” (5)

Fig. 2 – lhas que chamam as Foreiras. (Reprodução de um mapa do século XVI do Palácio do Pitti de Florença.

Existe uma certa relação entre a viagem de Teive, durante a qual terá avistado costas da América do Norte, conforme foi narrado em artigo  anterior deste estudo que titulei: “Afinal quem descobriu a América?”, e esta que Fernão Teles ia realizar. Recordo também o livro escrito por Fernando Colombo já referenciado, a partir dos manuscritos do seu pai. Nesse livro constata-se que o objectivo da viagem de Diogo de Teive cerca de 1452, era o descobrimento da Ilha das Sete Cidades. Como se provou, Teive além do descobrimento das “Foreiras” (Flores e Corvo), terá avistado a América Setentrional, provavelmente na região da Terra Nova.

Retomando o que escrevi atrás, a propósito da expressão “Sete Cidades”, e o que escreveu Fernando Colombo sobre a viagem de Diogo de Teive, “à procura desta ilha”, referindo-se, aí sim à “Ilha das Sete Cidades”, existe uma diferença significativa. Após a viagem de Teive, a “Ilha das Sete Cidades”, cuja fundação se associou a uma lenda originada no século VIII, passou a ter uma existência real ─ a terra que Teive avistou no Atlântico Setentrional e, porque então não foi sugerido outro nome, manteve por algum tempo a designação “Sete Cidades”.

Fig. 3 – Mapa do “Livro de Marinharia, Tratado da agulha de marear”, de João de Lisboa, 1560. (IAN/TT, Lisboa)

Embora seja de admitir, a realização da viagem de Teles, não se deve ir além dos documentos conhecidos que chegaram até ao presente. A propósito, refiro  por curiosidade, a introdução que um autor, Brito Rebelo, escreveu numa edição do Livro da Marinharia de João de Lisboa.  Abro aqui parênteses para referir que João de Lisboa foi um experiente piloto, também autor do “Livro de Marinharia, Tratado da agulha de marear”, 1560, um manuscrito acompanhado de vinte cartas náuticas, documento  preservado na Torre do Tombo. (Fig. 3)

Na dita introdução do livro, Brito Rebelo admite ter Fernão Teles atingido uma Antilha – a Hispaniola ( actual Haiti) – portanto, cerca de quinze anos antes do seu descobrimento por Colombo.

Baseia-se o autor no documento datado de 10 de Novembro de 1475 atrás referido, no qual D. Afonso V concede a Teles um alargamento da doação anterior: “nom declara de ilhas despovoadas, e que o dito Fernão Teles por si ou per outrem mande povoar, e poderia ser que, em ele as assi mandando buscar, seus navios ou gente achariam as Sete Cidades ou algumas outras ilhas povoadas… “. Trata-se de uma opinião que revela a imaginação do autor. Não existe (não conheço) um documento comprovativo do descobrimento por Teles da  ilha oficializada Hispaniola após a primeira viagem de Colombo.

A expedição de Fernão Teles terá partido no ano de 1476 (a última concessão do rei a Teles é de Novembro de 1475), pois morreu acidentalmente, em 1477. Curiosamente, foi em 1476 que alguns autores referem a primeira entrada de Cristóvão Colombo no nosso país.

Além dos documentos citados, não chegaram até hoje mais documentos comprovativos sobre a realização da viagem. Mas, a expressão “Sete Cidades” não se perdeu de todo. Actualmente, na ilha de S. Miguel, a bem conhecida Caldeira das Sete Cidades, perpetua o eco daquela expressão de origem longínqua.

Nos cinco artigos que titulei: “Afinal quem descobriu a América?”, apresentei documentos demonstrativos das viagens para Ocidente empreendidas pelos portugueses anteriores às viagens de Colombo. Parece não haver dúvida terem atingido terras da América (Antilhas, Terra Nova…) antes do velho Almirante  tropeçar na primeira Antilha em 1492 quando procurava a sua almejada Índia. Embora muita  documentação   se encontre em Arquivos estrangeiros  que dificulta a pesquisa irei continuar com    mais  alguns artigos sobre o tema.

João Soares Tavares escreve segundo o anterior acordo ortográfico

NOTAS

 

(1) Cartas de D. Afonso V  de 4 de Maio de 1481, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa

 

(2) “Documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo”, Lisboa

 

(3) “Documentos…”, ibidem

 

(4) Idem, ibidem

 

(5) Idem, ibidem

 

 

 

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