As suspeitas nos Primeiros Ministros Portugueses

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Se António Costa se demitiu por causa do dinheiro vivo encontrado no gabinete ao lado do seu e do comunicado da PGR a confirmar estar o seu nome em inquérito no Supremo, e se apesar disso o mesmo António Costa que entendeu não poder governar o país por estar sob suspeitas é hoje Presidente do Conselho Europeu, para que ter caído um Governo, ter descoberto uma crise política, e estarmos agora a caminho da segunda crise política, após ter caído um segundo Governo? Mas há mais. Já com Costa instalado em Bruxelas, sem nunca ter sido concebido como arguido e só tendo sido ouvido a seu pedido, o novo Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra, disse em público que o ex-primeiro-ministro continua a ser analisado no âmbito da Operação Influencer, uma vez que o acervo documental ainda não foi “totalmente verificado”. Vale a pena ouvi-lo: “Se ainda não foi deduzida a acusação nem foi arquivado o processo, significa que o processo está pendente ”. Sobre timings, Guerra não se compromete – “os processos esperam o tempo que for necessário”. Quem conseguir explicar qual é a moral desta história merece bingo.

Um primeiro-ministro demite-se por estar sob suspeita. Um Governo de maioria absoluta cai. Um Presidente da República convocou eleições. O primeiro-ministro demitido é eleito Presidente do Conselho Europeu. O novo primeiro-ministro fica sob suspeita, em versão mais difusa mas persistente. Não se demite, mas concorda com Costa que não é possível governar sob suspeita. O Presidente da República faz-lhe a vontade e convoca eleições. Para o português médio, que o que quer é melhor atraso, menos impostos, mais casas, menos barracas, melhor saúde, mais segurança e menos chatices, nada disto faz sentido. Não é expectável que Montenegro, caindo, vá para uma carga alta na Europa, não é impossível que o percurso de Costa leve o cidadão comum a achar que chega de lixo. Se a Justiça anda há mais de dez anos às voltas com Sócrates, se não ata nem desata o parágrafo que tramou Costa, e se nem sequer ouviu Albuquerque, que após a invasão da PJ soma e segue na Madeira, talvez seja precipitado achar que o “inquérito preventivo” anunciado por Amadeu Guerra à Spinumviva e a investigação ao caso do cimento da casa da família Montenegro (a do Norte, porque a de Lisboa, que juntou dois andares sem pré-aviso à câmara, já passou) possa vir a dar para grandes revoluções.

Se houver novidades de Espinho é uma coisa, se ficar por aqui será outra. Montenegro, se pudesse, antecipava as eleições já para amanhã. Não podendo, vai ser mês e meio a correr contra o tempo e a fazer figas para que o prato da balança com o ano de Governo AD pese mais do que o prato que sustenta as suspeitas.

Já agora, se alguém conseguir aproveitar a campanha anormal para lembrar que vivemos numa Europa condenada a mudar de vida e obrigada a fazer escolhas a quem não está habituado, dá jeito. Ganhe quem ganhar a 18 de maio, vai precisar de um kit de sobrevivência. Vendo bem, o único que se salvou a tempo foi o mesmo António Costa.

Ângela Silva – Expresso